Fugindo da Patrulha

Januário entra num dos blocos do condomínio em que residiu por muito tempo. Estava indo buscar uma correspondência que uma amiga deixara para ele. Na verdade já havia buscado por essa correspondência no prédio, do mesmo condomínio, em que de fato residira. Tinha entendido errado. A correspondência estava no prédio dela.

São dessas coisas que nos dão a impressão de que não acontecem por acaso. Foi como se ele tivesse ido ali para ficar sabendo. Como havia entrado pela garagem no subsolo, ficava mais fácil acessar a recepção, onde estava o envelope, pelo elevador. Junto à porta do elevador, o quadro de avisos anunciava a missa de 7º dia do marido de uma conhecida sua. Reconheceu pelo sobrenome dela. E depois confirmou, recordando-se do nome do marido que lia ali no aviso.

Na verdade, tinha sido um pouco mais que isso. Comera muito aquela vagina. Não sei bem se pode ser essa a hora de a gente fazer uso de uma linguagem vulgar. Mas o pensamento às vezes foge à patrulha. Ficou pensando.

Vieram-lhe aqueles arroubos de paixão ou romantismo que estão sempre atrelados aos primeiros dias de namoro, à carne fresca.

Fizera alguns sambas pra ela que só ela escutou. Escrevera alguns poemas que só ela leu. E por cortesia agradeceu. Enquanto ele os achava todos lindos.

Lembrou-se do ciúme do falecido, ao vê-la eufórica, querendo sair pro baile de carnaval do condomínio com os amigos. Januário dentre eles.

Provavelmente ela se sentisse constrangida em o ver agora. Para alguém com seus 17 anos, ela, o marido e Januário não passariam de coroas. E, embora não seja nenhum absurdo, é meio difícil ver um coroa bonito. Porque

a vida é bela, a vida é feia

a vida – estranho grão de areia

que rola por aí esquecido

do vento e das ondas do mar...

Acorre-lhe de repente a ideia de que os homens vão primeiro. Elas ficam. Um pouco mais. E não adianta ficar se preparando. Não faz sentido. Quando menos se espera, algo acontece para nos chamar a atenção para o único fato essencialmente verdadeiro – a ausência da luz no candeeiro.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 10/11/2014
Reeditado em 11/11/2014
Código do texto: T5030365
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