O DESEJO DE MATAR

O processo civilizatório consiste nas sucessivas transformações dos costumes, princípios e valores que avançam, a longo prazo, em direção a um estado de equilíbrio na existência social dos indivíduos. Quanto ao direito à vida, o processo civilizatório brasileiro ainda é incipiente. No ano de 2012, o gigante sul-americano quebrou o recorde mundial de homicídios. Ao todo, foram cometidos 56.337 homicídios, o maior número desde 1980, sem contar os abortos criminosos que foram praticados em clínicas clandestinas. Esse é o dado mais confiável sobre a violência no Brasil, tendo no sistema de informações de mortalidade do Ministério da Saúde a sua base de informações. A maioria dos homicídios não chega ao Tribunal do Júri. Do total de homicídios dolosos (com intenção de matar) registrados em 2012, apenas 8% tiveram a autoria apurada pelos órgãos policiais. A maioria deles prescreverá dentro do prazo legal de 20 anos. No Brasil, a confissão é decisiva. Se não há confissão, dificilmente se apura a autoria. A situação é alarmante no Nordeste, onde os crimes contra a vida atingem patamares considerados inadmissíveis pelo senso comum da Humanidade. No que respeita às mulheres, o índice de homicídios aumentou entre 2001 e 2011, com a morte de mais de 48.000 brasileiras nesse período. O empoderamento da mulher passa necessariamente pela conscientização da "falsa consciência" em relação à sua submissão ao homem e pela defesa em juízo dos seus direitos humanos (civis, sociais, econômicos, culturais e políticos). A imposição de convicções tradicionalmente aceitas pelo grupo social deve ser compensada por meio da reflexão pessoal sobre o que é melhor para a mulher frente aos desafios do mundo moderno.

A indulgência evita muitas tragédias com as quais lamentavelmente estamos acostumados a conviver. A principal delas é o homicídio doloso. Observação importante: o criminoso pode ser perdoado, por ser naturalmente imperfeito, mas o crime jamais, por ser socialmente lesivo. Assim no Brasil como em outros países, mata-se por qualquer motivo. Sem dó nem piedade. Ciúme, inveja, dívida financeira, intolerância religiosa etc. Mata-se até por motivo de orientação sexual (homofobia). O discurso de ódio contra os homossexuais pode acabar na sala de necrópsia de um Instituto Médico Legal. Parece um filme para doidos. A Ética é a parte da Filosofia que estuda os princípios racionais da boa conduta humana na busca da paz social. Algumas pessoas são mais éticas com os cães do que com outras pessoas. Nunca se ouviu falar em matança de cães. A certeza da impunidade e a indiferença da sociedade estão entre os traços característicos da cultura da violência. O Brasil é uma fábrica de vítimas de homicídio. Faz produção em série para todos os gostos. No submundo dos assassinos e simpatizantes da ideia homicida, não se sabe o que é piedade. Nada se vê além das próprias (injustas) razões. Veem-se no espelho e concluem que são deuses. À vista disso, a soberba fá-los acreditar que estão acima do ordenamento jurídico. Nenhum conflito armado no mundo sacrificou tantas vidas humanas na história recente. Nem a guerra no Afeganistão. Pesquisas recentes indicam que as principais vítimas da violência e da criminalidade são crianças, adolescentes e mulheres. O Brasil ocupa o 11º lugar no grupo dos países mais inseguros do mundo no Índice de Progresso Social (IPS), que é um relatório elaborado pela organização sem fins lucrativos Social Progress Imperative. O que faz o Congresso Nacional? Promulga leis penais com penas mais severas. Pronto. Na lógica dos parlamentares, está resolvido o problema da criminalidade. Teoricamente. Porque, na prática, a criminalidade grassa pelo país afora. Alguns fatores fomentam a cultura da violência. Dentre eles vale destacar o individualismo, o consumismo, o preconceito de gênero e a competição capitalista. A vida está monetizada. Como pode ser observado no mundo atual, a vida excessivamente agitada e competitiva tem um alto custo social. Numa sociedade que valoriza a figura do competidor, vencer a qualquer custo é considerado um impulso normal, enquanto que a solidariedade é vista de soslaio, com olhos de esguelha, como uma utopia socialista.

A verdade, ainda que doída, é que o Estado Brasileiro é muito pequeno para administrar com eficiência os grandes problemas sociais contemporâneos, e ainda há quem propugne por um Estado Mínimo. Além disso, os governantes dão mais atenção à voz do mercado do que à voz do povo. A consequência dessa postura política é que a melhoria do padrão de vida está cada vez mais inacessível para a maioria da população. São necessárias políticas públicas de intervenção nas famílias mais vulneráveis à criminalidade. Para isto existimos. Para usufruirmos o lado bom da vida, para combatermos o lado mau com as armas do Estado Democrático de Direito e para legarmos, mediante o exercício ético da nossa livre iniciativa, um mundo melhor às futuras gerações. A política, como pensada por Aristóteles, deve focar o aprimoramento moral da sociedade. O Brasil só deixará de ser um país anormalmente violento quando os governantes e os agentes econômicos deixarem de seguir a lógica do capitalismo selvagem e concentrador de renda, para desenvolverem um capitalismo civilizado e distributivo de renda. Na periferia das cidades, assim como nas favelas (comunidades), os bolsões de miséria criam e sustentam a violência.

Na sua dimensão econômica, a antropofobia é um termo psiquiátrico que serve para designar a aversão ao contato com pessoas que se encontram em situação de extrema pobreza, na linha da miséria. Trata-se de um transtorno da razão (irracionalidade) causada pelo vírus do liberalismo econômico neoclássico capitalista, introduzido no Brasil pela doutrina social-democrata europeia. Os representantes do povo que sofrem dessa virose ideológica elitista sentem aversão pelos programas sociais, alegando, em desalinho com o bom senso, que o assistencialismo estimula a vagabundagem. O conservadorismo vai de encontro à predestinação humana à evolução moral e intelectual. Portanto, é preciso mudar — para melhor — as crenças, as leis e os costumes sociais. A sociedade não faz como o caranguejo, que se move para os lados. Pelo contrário, os movimentos sociais almejam um mundo mais evoluído, com mais justiça social, qualidade de vida e respeito às diversidades. Colocar obstáculos no caminho do pensamento humano é matar no presente as reformas que podem impactar o futuro da Humanidade. Os fatos demonstram de forma inequívoca que os políticos conservadores não conseguem lidar positivamente com a dinâmica da realidade socioeconômica, marcada por profundas desigualdades decorrentes da concentração de renda. O eleitor consciente da injusta distribuição de renda no Brasil sabe da necessidade de um Estado Social. Por isso, precisa defender com o seu voto a democracia progressista, mantendo os próceres da classe burguesa conservadora, sempre preocupada com a representação política de seus próprios interesses no cenário político nacional, afastados dos cargos eletivos "para o bem de todos e a felicidade geral da Nação". Tal como foi no século XX, o conservadorismo seria uma tragédia no século XXI: um cenário desolador de injustiça social, econômica e política.

O vírus ideativo nada mais é do que uma informação, ou uma crença, que se reproduz no meio social por ação dos veículos de comunicação de massa. A manipulação midiática pode levar a pessoa infectada a desenvolver um quadro de ideia fixa capaz de produzir um estado de hiper-reatividade emocional a favor da informação, ou da crença, divulgada pela mídia. É assim que as ideias, os ideais e as ideologias se estabelecem e se estabilizam no fluxo temporal. Os noticiários de rádio, televisão e periódicos transmitem mensagens previamente selecionadas de modo a favorecer os interesses da classe ideologicamente dominante.

Um problema puxa outro. Além dos elevados índices de homicídios registrados no Brasil, ainda existe o problema do tráfico internacional de pessoas. A hipossuficiência econômica garante a oferta de escravos ao tráfico de pessoas para o fim de exploração sexual. A mulher despe-se de sua condição natural de ser humano dotado de dignidade, para vestir a embalagem de mercadoria reutilizável. A escravidão contemporânea não é um legado cultural do período colonial, mas, sim, uma perversão do processo de globalização como instrumento de expansão do sistema capitalista. A ideologia consumista torna-se excludente quando transforma as populações socialmente vulneráveis em "refugo humano", abrindo espaço para a conduta delituosa dos aproveitadores da desgraça alheia. A regulamentação da prostituição não é a melhor solução, pois daria à luz um proxeneta de Direito Público Interno, que seria vulgarmente conhecido por Estado-Cafetão. Ademais, segundo o princípio da responsabilidade objetiva, o Estado tem a obrigação de responder pelos seus atos ilícitos, como é o caso do rufianismo (crime contra a liberdade sexual), uma vez que as prostitutas teriam de recolher aos cofres públicos uma espécie de imposto sobre serviços sexuais (ISSS). Na falta de oportunidades de acesso ao mercado de trabalho formal, o instinto de sobrevivência pode preponderar sobre o sentimento de dignidade sexual. Quando isso acontece, surge a prostituição como estratégia de sobrevivência. A escolha de quem não tem outra escolha. De certa forma, a exploração sexual também é um homicídio, um homicídio emocional, por assim dizer, visto que provoca na mente da vítima a morte do seu bem jurídico psicológico mais vital: a autoestima. No entanto, nem tudo está perdido neste vale de lágrimas, onde tudo se subordina ao poder aquisitivo do dinheiro, que é instável. A indulgência é a estrela guia que conduz ao Nirvana, condição estável de felicidade resultante da redenção espiritual. Fora do perdão não há salvação. A esperança em um mundo melhor é a última que morre. Como escreveu a judia Anne Frank em seu diário: “Apesar de tudo, eu ainda creio na bondade humana”.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. 10ª edição. Brasil. Editora RECORD. 1998.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 13/11/2014
Reeditado em 30/09/2017
Código do texto: T5033839
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