RICO DE MIM

Aos dezessete anos eu queria ser professor, mas tinha medo. “Escolher ser pobre quando pode ser rico é burrice”, me disseram. Eu pensava em dinheiro, mas em segundo plano, daí vinha o medo, pois queria me casar, ter filhos, uma casa, um carro...

Nunca fui apegado a coisas materiais, a não ser a livros – que, para mim, são mais coisas espirituais do que materiais –, e mesmo assim, quando termino de lê-los, com exceção de algumas pérolas, doo-os à Biblioteca Pública. Não, não sou apegado...

Mas precisamos de dinheiro para viver, isso é fato, e meu medo era não ter o suficiente para garantir à minha família uma vida digna. Por isso o frio na barriga, a angústia diante da escolha: ser rico de dinheiro ou de mim mesmo? Minha primeira opção era História – eu queria ser professor de História –, e nem pensava em mestrado e doutorado, queria ser professor de nível médio, de preferência numa escola particular – mas se fosse numa pública, sem problema. Eu sabia o que me esperava, pois fui alertado por várias pessoas, algumas bem experientes, que diziam só querer o meu bem. Lembro-me que uma vez tentaram me convencer a fazer Direito ou Comunicação com tanta insistência que explodi: “Pelo jeito vou ter que fazer dois cursos: um para mim e um para os outros”. Fui ficando mais forte, mais corajoso, mas às vezes me batia o pensamento: “‘Mim mesmo’ não pagará minhas contas...”.

Com o medo encravado no peito, marquei “História” na minha ficha de inscrição para o Vestibular da UFMG, no final de 1993. Saí da agência dos Correios leve, muito leve, com a sensação de ter feito a coisa certa. “Agora não tem mais jeito”, pensei, e voltei para casa, feliz, disposto a enfrentar todas as dificuldades, a superar o medo e viver a minha escolha com muito amor e dedicação. Não me arrependo do que fiz. Nunca me arrependi.

Eu não escolhi ser pobre, escolhi ser rico – rico de mim, do que eu sentia, do que eu amava, do que eu era.

Minha paixão pela História veio de encontro à minha paixão pelos livros e o resultado foi muito estudo, numa escola fantástica, com professores excelentes, que me ajudaram a ver o mundo com outros olhos, a refletir sobre o passado, o presente e o futuro. Foi muito prazeroso. Cada aula, cada debate, cada livro era um prazer a mais na minha vida... Depois, quase naturalmente, vieram o mestrado, o doutorado, Lisboa...

Hoje não me considero rico de dinheiro, mas também não sou pobre, minha família vive com dignidade, como eu queria. Minha riqueza maior está no meu ser e não tem preço: eu, com meus conflitos, meus medos, mas também com a alegria de me sentir rico de mim, por ter tido a coragem de marcar “História” numa ficha de inscrição de vestibular.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 14/11/2014
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