BORBOLETAS ENLATADAS

- Hipocrisia , meu chapa . É isso o que é …

Era um velho bêbado sentado ao fundo do ônibus. Tinhas as unhas dos pés grossas e os cabelos grisalhos longos . Não cheirava bem , e havia uma pasta seca nas suas calças , próximo ao zipper . Me sentava a sua frente , na cadeira logo ao lado da catraca . A cobradora ouvia qualquer coisa nos fones e marcava o ritmo batendo a caneta no caixa. Eram cinco da manha de domingo , a condução vazia e a cidade dormindo . Poucos tipos cansados se arrastavam pelas calçadas , alguns procurando por baganas de cigarro , outros lutando para chegar em casa . Haviam putas também - e que mal há lhes chamarem de putas ?

- Hipocrisia , meu chapa …

Me virei para o velho e indaguei :

- Que diabos esta falando ?

O velho sorriu , era o sorriso de uma criança recém nascida , banguela e sincero . Estendeu a mão . Disse que se chamava Dagoberto .

- Prazer , John – Respondi , apertando suas mão pegajosas .- Espero que isso seja creme ou coisa que o valha – Falei , limpando aquilo na barra da calça .

- Você não teria um cigarro , não é mesmo ?

Saquei um do maço , filtro vermelho .

- E não teria fogo ?

Lhe passei o isqueiro . Nessa hora a cobradora soltou :

- Nada de fumar no ônibus , senhor .

Ele pareceu não dar bolas , pos fogo no prego e deu uma boa tragada . Senti vontade de fazer o mesmo . A cobradora estalou os lábios e se virou , ignorando o acontecido .

- Sera que posso fazer o mesmo ? - Perguntei .

Me olhando de canto de olhos disse :

- Só se quiser seguir o resto do caminho a pé .

- E ele ?

- Ele não é ninguém .

Saquei um cigarro do maço e fiz companhia ao velho . Dei a primeira tragada e a segunda antes da cobradora arrancar os fones dos ouvidos e mandar eu apagar aquilo . O ônibus parou num farol e o homem aproveitou para beber um pouco da garrafa que levava consigo entre as pernas . Tomou um trago e me passou o pacote . Agradeci .

- Valeu , mas por hora , não . Obrigado .

- Se não apagar esse cigarro , vou ter que bota lo para fora – disse a cobradora , um pouco a cima do peso e cabelos crespos presos com presilhas coloridas . Sua pele morena brilhava , talvez com algum óleo que as mulheres tanto adoram se lambuzar . Enchi meus pulmões com todo aquele câncer e soltei a fumaça no seu rosto . Ela tossiu , me mandou se foder e puxou a cordinha . Uma campainha tocou , depois a mulher gritou :

- Pare essa porcaria , Oscar . Temos um filho da puta engraçadinho aqui !

Do assento do motorista Oscar gritou de volta :

- Deixe que fumem , Suzi !

Indignada , Suzi , a cobradora , tornou a gritar .

- Mas estão fumando dentro do maldito ônibus . Tem uma maldita placa dizendo : Proibido Fumar ! Não da pra fumar dentro do ônibus , não dá !

O motorista esticou a cabeça no corredor .

- Cale a sua boca , mulher . Vai acordar a cidade toda !

- E por causa de um maldito cigarro ! - Conclui o velho , seguido de um arroto .

Indignada , a mulher se calou em seu canto , não antes de me direcionar um olhar maldito . No fundo de seus olhos , as chamas do inferno obscureceram seu espirito .

- Hipocrisia , isso é o que há …

Concordei com o velho . Estávamos numa lata de sardinha barulhenta . A todo momento parecia que alguma peça da condução se soltaria , e não havia um único cinto de segurança nos assentos . Na verdade , um único , qual o motorista era obrigado a usar . Num carro particular , conduzir sem cinto , ou transportar sua família ou amigos sem cinto é digno de multa , não resta duvida . E cá estávamos nos três : o velho , a cobradora e eu , inseguros e sozinhos nesse mundo cão , amaldiçoados por fumar um cigarro e correndo perigo por falta de uma cinta laçada ao peito . Alguma coisa esta errada ...

05/12/2014

14h09m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 05/12/2014
Reeditado em 05/12/2014
Código do texto: T5059686
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