E O CAVALO TROPICOU

Das histórias que meu pai me contou, esta aconteceu comigo, diz ele sério na sua fala entusiasmada. Não me recordo disso, talvez porque naquela época ainda de cueiro, ficaram confusos os registros e por isso, neste momento, não tenho acesso a eles na minha memória.

Assim ele me contou, e eu a escrevo da minha maneira.

Montar e se locomover de um lugar ao outro no lombo de um cavalo, para meu pai era maneiro como se tivesse dirigindo um carro qualquer. Era um transporte seguro e rápido para a época.

Praticamente toda a logística dependia do cavalo. As carroças e os lombos dos muares povoavam as estradas poeirentas.

Meu velho adorava galopar.

Quando sentou praça, foi encarregado pelo comando geral do 5º Batalhão de Sapadores, por ser o mais experiente cavaleiro do batalhão, para conduzir uma tropa de mulas de Pedra Preta*1 a Lages. Levou mais de um mês cavalgando. As mulas chegaram vivas e com boa aparência ao destino, principalmente pela competência de seu condutor.

Meu pai, com certeza, tinha naquela época uns calos na região carnuda das nádegas. Grande parte de seu dia morava em cima do cavalo. Certa feita, só para matar a minha vontade, experimentei pilotar um pangaré, por alguns minutos, e acabei saindo de pernas abertas, todo assado, meio troncho com dores horríveis na bunda.

Meu pai desde pequeno já acompanhava meu avô, pai dele, pelas cercanias onde morava no lombo de um cavalo, seja para passear ou então para conferir o que estava sendo produzido pela roça. Montava em pelo como ninguém, e com facilidade conduzia o animal no ritmo que ele queria.

Aos bailes e aos encontros com minha mãe, lá ia ele, todo garboso, senhor absoluto de si, galopando o seu bom galopar, pelas veredas sinuosas, durante o dia ou durante a noite.

Quando nasci meu pai gostava de sair para fazer os passeios troteando seu alazão. Sempre me levava preso em seus braços. Ele era um ginete dos bons. Se o cavalo aporreado velhacava com ele, sabia como ninguém domar o animal, pondo-o obediente à rédea. Olhando-o na montaria, parecia uma pintura clássica, de tão altivo e nobre que era.

Minha mãe ficava encantada, mas não deixava de fazer suas recomendações.

Foi numa destas tardes mornas quando o sol ao longe pungia tristemente os campos, que meu pai resolveu dar uns galopes comigo em seu braço.

Tudo parecia normal e agradável.

O cavalo não era nem velhaco e nem aporreado, mas de repente alguma coisa tirou o animal do sério. Meu pai acha que foi uma serpente, que por ali rastejava, a causa da confusão.

O cavalo deu uma tropicada, relinchou assustado, peidou soltando o que tinha em excesso nas tripas, e de forma inesperada empinou, corcoveou feito um maluco como se seus grãos estivessem sendo esmagados pelo arreamento. Meu pai permanecia grudado em seu lombo me protegendo, mas no momento em que o cavalo se dispôs a iniciar uma eletrizante correria, meu pai saltou, deu um meio rodopio no ar caindo em pé na estrada, um pouco desequilibrado se apoiando no chão com uma das mãos; Eu permaneci são e salvo preso em seu braço forte.

O espetáculo foi rápido.

A cena, pelo seu incrível acontecimento, seria digna de registro cinematográfico.

Ainda não refeito do susto, coração acelerado, vendo seu cavalo troteando lá mais adiante, e como um cisco desparecer no meio da poeira da estrada, olhou preocupado para mim acomodado em seu braço como que para conferir se tudo estava bem.

Ficou admirado do que viu, e sorrindo beijou minha testa.

Meu pai completou a história dizendo:

- Você estava rindo muito feliz batendo palmas como se tivesse aplaudindo tudo aquilo pedindo para que eu fizesse novamente.

*1 - Pedra Preta hoje é Tunas do Paraná.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 07/12/2014
Reeditado em 09/12/2014
Código do texto: T5062008
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