A Novena

A Novena.

A noite prometia muita chuva, relâmpagos acompanhados de trovões faziam tremer a terra, mesmo assim as senhoras da novena compareceram em massa, à casa de D. Adelaide.

Católica fervorosa e sofredora penava em vida, a vida que tinha o marido velho turrão, que só fazia o que queria bruto e ignorante em se tratando o trato com os outros viventes, era vamos dizer assim, odiado pôr todos, hoje vivia numa cama com o peito cheio, tossindo e escarrando.

Como D. Adelaide era uma mulher muito boa, aceitaram fazer a novena nesta noite em sua casa, todas em volta de um altarzinho improvisado na sala, Nossa Senhora Aparecida e São Benedito cercados pôr duas velas que ardiam e um vasinho de plástico com florzinhas vermelha também de plásticos.

Começaram a ladainha dos cinco mistérios, às vezes se sobressaia mais as tosses do velho Noel no quarto, que varava as paredes e trazia o chiado do peito até as velhas, que oravam com mais fervor, e mais rapidez querendo acabar logo com aquilo.

A velha Quirina de tão velha só dizia a ultima palavra da oração, atrapalhando a reza, no segundo mistério, os trovões mais alto, todas ouvem portas de carro bater com violência, olham uma para outras, mas sem sair da ladainha, vozes alteradas entram acompanhadas de seus donos, o casal vem berrando um com outro, passam como um raio pela sala no meio de uma ave Maria, a beatas automaticamente fazem o sinal da cruz, e continuam a ladainha.

No terceiro mistério as velhas já praticamente engolem as Santa Maria, e a discussão come feio na cozinha, palavrões e gritos, a ponto de D. Adelaide com duas passadas ir à cozinha e voltar, a conversa abaixa um tom, mesmo assim entende-se tudo o que se lá fala lá.

D. Carmem corcunda pela idade e pelas dores se chega mais para perto da porta, quer ser a primeira a sair, a chuva começa a cair como uma cascata, a luz ameaça de acabar piscando umas duas vezes, o cachorro escapa do quintal e correndo invade a sala, ficando bem no meio onde bondosamente resolve se sacudir, respingando nas coitadas, que estão ali pagando algum pecado, mesmo assim continuam firme.

No quinto mistério, já respiram aliviadas, o fim tá perto, a briga na cozinha pegou fogo de novo, os acessos de tosse pioraram e o cachorro se coça, largando algumas pulgas visíveis a olho nu, sorte das velhas que pouco enxergam.

Mas eis que o destino e caridoso chega ensopado da rua, o filho mais velho, de D.Adelaide, Chico que trabalhou o dia inteiro de pedreiro, e gastou tudo o que recebeu no bar, vem bambeando, o cheiro invade a sala, e suor com sujeira, pinga e boca.

D.Carmem na porta recebe aquele hálito na cara, e se pega em Deus, mas Chico se pega em D. Carmem, e a segura pêlos braços, fazendo a coitada dançar como uma bêbada, ela tenta se largar, ele porem e firme no agarro, puxa prosa, vários psius enchem a sala ele ignora, a velha e sua conhecida e boa de papo.

D.Adelaide tenta intermediar, falando baixinho com o filho, a ladainha agora e em contagem regressiva, todas praticamente falam com a boca, mas os olhos fixos no relógio, desesperadas ouvem os trovões e raios ganharem o céu.

Na ultima Ave Maria saíram cantando pela rua, como almas penadas, o cachorro as persegue pensando ser uma brincadeira, os raios iluminam a cena saído do inferno. D.Carmem, praticamente corria coisa que não fazia a mais de vinte anos, tudo para se ver livre da casa e dos seus donos.

Chico ainda fica na porta a gritar para que voltem rezar mais um pouco, tentou segurar umas duas, com Deus arranjaram força e se fora.

Os raios iluminavam de vez em quando, as pobres almas correndo feito doidas, na chuva, pareciam loucas é ainda rezavam para que acabasse aquele pesadelo.

Luzia Rastelli
Enviado por Luzia Rastelli em 30/05/2007
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