A busca de unidade

Durante muito tempo em minha vida, perguntei-me sobre o porquê de nenhum curso superior se encaixar perfeitamente aos meus instintos vocacionais. Nenhum traz aquela certeza de que é isso que quero aprender e exercer, de modo a forçar-me a escolher pelo “menos pior”, pois todos parecem demasiado desinteressantes. Independentemente de qualquer causa pessoal para essa questão, creio haver aí também uma dimensão relativa à cultura em que vivemos.

Lembro-me de um professor de História do cursinho que frequentei antes de fazer o vestibular; ele, valendo de sua gloriosa arte para manter a atenção dos alunos em sua aula, discorreu sobre o seguinte: “quem faz Medicina, fica burro.” Hipérboles à parte, o argumento dele era de que, o aluno, ao focar-se apenas nas artes médicas e afins, e por ser uma faculdade que demanda muito estudo, esquece-se e aliena-se do resto, vivenciando apenas em uma faceta da vida e “medicinando” as outras.

Arrisco a afirmar que concordo e acho que isso não é assim só na medicina. Hoje em dia existe o engenheiro especialista-em-vigas-de-aço-para-pontes-suspensas ou o médico especialista-em-cirurgia-na-unha-do-dedinho-do-pé-esquerdo, em uma crescente especialização e consequente compartimentalização das áreas do conhecimento.

Recentemente, conversando com uma colega de faculdade, numa dessas aulas propícias para “papos-cabeça”, ela dissertava sobre a mesma questão. Se eu fizesse uma tentativa de transcrição, diria que ela dizia algo do tipo: “tu vê né, esse pessoal que faz mestrado, doutorado, super inteligentes em algo. Aí tu vai conversar com eles, e são extremamente rasos!” Quando se disseca uma parte da natureza, foca-se nela e vive-se por ela, esquece-se do todo maior em que todas as coisas estão relacionadas. No exemplo das áreas do conhecimento, não seria interessante refletir, por exemplo, o que a economia tem a ver com a biologia? Ou a psicologia com a física? A arte com a medicina? Estarão mesmo estas coisas tão longe uma das outras?

Com a revolução industrial, o advento da mecânica, das máquinas a vapor, e toda aquela coisa que a gente vê na escola, uma ideia chamada Mecanicismo pairava na mente dos que tentavam compreender o Universo. Assistindo todas as grandes inovações que surgiam na época, chegaram eles a conceber o Universo como isto: uma grande máquina que funcionava mecanicamente. Logo, se o Universo é mecânico e as coisas são todas mecânicas, basta cada um cuidar de uma peça da grande máquina para que ela continue funcionando. Parece razoável, se for esta a verdade.

Mas e se não for? E se o Universo fosse mais como algo, digamos, orgânico? Em uma analogia a um corpo biológico, cada célula possui uma função ao mesmo tempo que contém em si mesma a informação do organismo ao qual faz parte, o que chamamos de DNA. Se assim for, ela não deve apenas realizar a sua função, ou a sua vocação, mas estar de acordo com a sinfonia harmônica que compõe o conjunto do trabalho das outras células, que na sua totalidade resulta em único ser vivo. Citando a escola psicológica da Gestalt: “O Todo é a maior que a soma das partes.” Diga-se mais: é bem conhecido o processo pelo qual uma célula, de certa forma, “esquece-se” do todo ao qual faz parte e trabalha para si mesma; chama-se câncer.

Não parece ser isto, precisamente, o processo pelo qual a humanidade passa no momento? Cada um cuidando de si, das suas ideias, da sua profissão, e esquecendo-se completamente que não é um ser isolado no mundo? Assim como a humanidade como um todo, que pela ilusão de estar completamente diferenciado do resto da natureza, a utiliza como serva das suas ambiciosas intenções.

Em contrapartida, mencionando agora outro povo e outros tempos, um antigo ensinamento egípcio baseado na figura de uma pirâmide dizia que o ser humano possui quatro facetas de expressão, que correspondiam aos quatro vértices inferiores da pirâmide. São eles: a ciência, a arte, a religião e a política.

Se iniciássemos a subida até o vértice superior por uma das facetas correspondentes aos vértices inferiores, veríamos com surpresa que a distância entre cada vertente diminui, e contrariamente ao que possa se ver de baixo, todos os caminhos levariam a uma mesma Verdade essencial através das diferentes vias, segundo a natureza do ser humano que a escolheu.

Trata-se, portanto, de uma visão de mundo totalmente oposta à atual; em que o indivíduo, ao aprofundar-se em seus estudos, mais compreenderia a relação do que aclama com os outros fenômenos da vida. Para tal, entretanto, é preciso que ele “suba pela vertente da pirâmide”, ou seja, necessita evoluir, transcender o seu objeto de devoção para que o integre às outras facetas da vida e veja as coisas com maior unidade. Se, ao contrário, ele analisar a situação estando na base da pirâmide, verá uma distância muito maior entre cada vértice, a ponto de talvez negá-los e quiçá “aumentar a base da pirâmide”, alienando-se na sua incompletude.

Em outro período histórico, denominado Renascimento, grandes homens eram artistas e ao mesmo tempo cientistas, inventores, matemáticos, e talvez até religiosos. Seriam eles especialistas em todas estas áreas? Ou possuíam eles a perspectiva e o conhecimento que os faziam capazes de achar algo em comum entre tudo isso e integrar? (Arrisco a dizer que um Leonardo Da Vinci poderia saber muito mais sobre a unha-do-dedinho-do-pé do que nosso amigo especialista do parágrafo anterior).

Na escola ensinam-nos biologia, matemática, português, química, física sem que nos seja apresentada qualquer relação ou sentido em estudar tais assuntos (aliás, você conhece alguma criança que goste de ir à escola?). Somos apresentados a um mundo totalmente compartimentalizado que nos passa a mensagem que não importa a relação do que estudamos e aprendemos sobre o sentido e a vida em que vivemos. Estuda-se apenas para passar no vestibular e para ter um diploma: tal é a motivação que é apresentada aos estudantes.

Creio que não somos máquinas. Somos vida, somos humanos. E, se for considerada a analogia anterior, talvez estejamos agindo como um câncer ao esquecermos quem somos; que, nesta lógica, seríamos “células da humanidade”, e, em outra instância, “células do planeta”. Mas claro, isso tudo se as coisas realmente não forem mecânicas, mas sim orgânicas. Tire suas próprias conclusões.

Rodolfo Deon DallAgno
Enviado por Rodolfo Deon DallAgno em 10/12/2014
Reeditado em 10/12/2014
Código do texto: T5064829
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