Denodo (baseado em uma conversa ouvida indevidamente)

Colocar tudo em ordem, a cama feita, a mesa posta, os pratos e talheres lavados, tudo cheirando à perfume de alfazema. Na alma um silêncio parecido com ordem, pacificação mas na verdade é um fatalismo indizível.

À ela coube a pior parte, as piores dúvidas e as cruéis certezas mas mesmo assim, calou-se, colocou uma relativa ordem nas lágrimas e uma quietude nas palavras.

Fora treinada pela vida a ser aquela que colocava os lençóis de puro algodão, cento e vinte fios e de alvura absurda sobre as camas onde outros calores abrasavam o ambiente, de todos e todas menos o dela. Aprendera também a alimentar os corpos e as almas de pessoas que iam e vinham, ou da pessoa que ia e vinha querendo ser sempre seu mas nunca pertencendo a ela.

Calou-se como se nesse calar tudo virasse fábula, tudo virasse uma ilusão de concretude absoluta e que a redimisse de seus desejos de vingança e do seu ódio. Tudo posto: a calma, a mansetude, os sonhos, a fábula de viver e tudo cheirando à ilusão que também cheira à alfazema.

Doces sonhos, crua realidade! De nada adianta lutar contra! Basta apenas ajustar o desejo ao possível.

André Vieira
Enviado por André Vieira em 30/05/2007
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