GAVETAS

Lembro da escrivaninha de trabalho de meu pai - uma organização meticulosa, em que cada item, documento ou papel estava em seu lugar... ao ponto dele falar, por telefone, em qual gaveta e sua localização. Eu não herdei essa qualidade... apesar que muitas pessoas que agem assim atualmente são diagnosticadas com Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

Acredito que não era o caso dele - ele teve uma infância sem muitos recursos, e aprendeu desde cedo a valorizar tanto as pequenas conquistas quanto as grandes realizações. Não estou falando que uma pessoa precisa ser humilde ou carente para ter essa percepção: apenas que no caso específico ele demonstrava essa característica.

Vivemos em um mundo em que as gavetas perderam a sua função primordial de organização, para se transformar em mero elemento de armazenação de coisas. Explico.

Cada pessoa tem seus hábitos e costumes... mas é possível notar que estamos em uma época na qual utilizamos as gavetas para simplesmente esconder coisas, tirá-las da nossa vista. É como aquele memorando que é importante, mas que já tomamos conhecimento e que não podemos jogar fora: vai para a gaveta.

Ou aqueles pequenos objetos em que temos estimação, mas simplesmente não tem um lugar adequado para ficar a não ser dentro de uma gaveta.

Emocionalmente, sinto que muitas pessoas acabam criando "gavetas" subjetivas, um local aonde simplesmente guardamos os sentimentos sem nenhuma organização. Chega uma hora em que simplesmente não há mais espaço, e torna-se necessária uma arrumação.

Saber distinguir aquilo que é importante, o necessário e o supérfluo é o mínimo que precisamos para organizar os nossos sentimentos. Infelizmente, é comum nutrirmos o espírito de colecionadores ou mesmo de acumuladores... e isso é nocivo demais, pois impede a racionalização e a abstração.

Como eu disse, estou longe de ter a organização do meu pai... mas mesmo assim consegui fazer a arrumação da minha "gaveta", e tive a sorte de desvincular de um sentimento que foi importante, e estou aprendendo a viver uma nova experiência. Outros elementos continuam sendo essenciais para mim, e estou lidando de uma forma muito melhor... hoje não tenho mais vergonha de expor a minha "gaveta", pois não está mais desorganizada.

SEBASTIÃO SEIJI
Enviado por SEBASTIÃO SEIJI em 15/12/2014
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