CRÔNICA DE NATAL

Talvez a minha lembrança mais remota seja eu quebrando um enfeite da árvore de Natal da minha casa, e o estridente berro de minha mãe que, pacientemente, havia me orientado a não mexer... mas considerando a minha natureza destemida e sem-noção, típica da idade imberbe, o que significavam aquelas palavras ???

Mas a bronca, assustadora e intimidadora, era inteligível por qualquer espécie... até os animais de minha casa se escondiam quando minha mãe perdia a paciência com algo. A primeira preocupação dela era que eu não me machucasse - eu estava descalço, e ao meu redor dezenas de cacos de vidro estavam espalhados.

Minha mãe, naquela época, tinha limitações severas por causa de um problema na coluna... mas mesmo assim, me pegou no colo... não recordo se, após essa oportunidade, ela me pegou novamente.

Mas voltando para a árvore e o presépio, para uma criança era simplesmente encantador aquelas bolas e personagens que compunham o cenário... tinha vontade de brincar com o Menino Jesus, e as ovelhas, burricos e bovinos...

Com o passar dos anos, a montagem da árvore e do presépio acabou se tornando a tradição familiar mais sólida em meu lar, tirando os rituais tradicionais de passagem - aniversários e Ano-Novo. Mais do que o local onde os presentes ficavam acondicionados, à espera da meia-noite, era aonde celebrávamos o nascimento de Jesus, com cântigos e a leitura da Bíblia.

E essa foi uma tradição inalterada até meu primeiro casamento, quando eu passei a frequentar a casa dos meus sogros... não preciso comentar que eu estranhei a ausência da formalidade. Mas minha vida foi assim...

Poucos anos depois, meu pai faleceu... aquele que colocava no topo da árvore de Natal o capitão - uma peça delicada dourada em forma de ponteira, e a estrela de Natal, que nada mais era que um papelão em formato de estrela do mar, recoberta com algum material rudimentar que lembrava o glitter.

Mesmo diante da ausência, continuamos a montar a árvore de natal e o presépio... até mesmo por que tínhamos um legado - minhas filhas mais velhas. E mesmo não sendo a mesma coisa, fingíamos que nada tinha mudado... era uma tradição. E mais: minha mãe fazia questão de mantê-la.

Após a morte da minha mãe, as peças de Natal ficaram comigo... durante mais alguns anos eu continuei a montar a árvore e o presépio... mas não obtive o mesmo sucesso... fracassei.

Nesse ano, é a primeira vez que eu não monto nenhuma espécie de árvore de Natal... confesso que sinto tristeza e melancolia por não poder reviver mais a mesma euforia dos preparativos, e o orgulho de ver uma "obra pronta"... de acender as luzes pisca-pisca e de cantar "Noite Feliz" e "Bate o sino".

Eu tenho consciência de que não posso impor tradições para as minhas filhas, mas somente mostrar e esperar que elas sigam... e respeitar suas opiniões, caso não queiram. É a única forma legítima de permanecer impondo a autoridade paterna.

Provavelmente, se elas tivessem a oportunidade de integrar, como eu, aquele espírito natalino familiar, pudessem compreender as minhas tentativas frustradas... nem vou entrar na questão espiritual e religiosa acerca da data, mas sim na comunhão familiar... um momento em que eu, minha irmã e meus pais se reuniam...

Hoje eu compreendo por que minha mãe gritou comigo quando quebrei a peça, mesmo eu não tendo o menor discernimento de perigo: não foi um enfeite que eu quebrei, mas sim um elemento que compunha o símbolo de união familiar - e claro, ela ficou com receio que eu me cortasse...

Hoje, eu não digo que perdi o encanto com o Natal, mas sim que o tempo passou e aqueles momentos ficaram no pretérito. Lembrar deles já foi muito mais doloroso, mas hoje é apenas triste.

Nem toda história necessita de uma moral, mas vou aproveitar para dar um conselho: mais do que as festividades em si, existem pequenos momentos que se instalam em nosso superego, e que acabam permeando nossas personalidades e, consequentemente, nossas condutas. A simbologia da árvore de Natal e do presépio significou muito para mim... como eu disse, é uma pena que não consegui levar para frente.

SEBASTIÃO SEIJI
Enviado por SEBASTIÃO SEIJI em 22/12/2014
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