UMA SIMPLES HISTÓRIA DE NATAL

Em termos de dinheiro, lá em casa, as coisas nunca foram muito fáceis. O meu pai sempre foi um homem com grande disposição para o trabalho — e que trabalhava muito — mas nós éramos quatro filhos, formando uma escadinha de degraus estreitos. O que equivale a dizer que havia, de um para outro, uma diferença muito pequena de idade. Isto exigia que a nossa mãe ficasse conosco e que organizasse toda a rotina da família, da alimentação ao acompanhamento do que fazíamos ou deixávamos de fazer, na escola ou fora dela.

Além de tudo, as mulheres da sua e de outras gerações não costumavam mesmo trabalhar fora de casa e as que faziam isto, normalmente, eram professoras ou funcionárias públicas. Mas estas representavam uma minoria, à qual não pertencia a nossa mãe. Então, o orçamento das famílias de classe média, como a nossa, era apertado e tinha como fonte, na grande maioria dos casos, aquilo que conseguiam ganhar os maridos e pais.

Na minha família, as prioridades eram comida e estudo. E era nisto que o nosso provedor — no caso, o meu pai — estava sempre focado. Não tínhamos, portanto, muito ou pouco espaço, em nossas aspirações, para qualquer espécie de consumismo ou de desejo pelas coisas supérfluas. E até o vestuário se limitava a um ou dois trajes melhores, para as ocasiões especiais. O resto, era a roupa do uso diário, valendo a regra para os sapatos e outros complementos, também.

Naquele tempo eu não tinha uma percepção muito apurada disto, mas hoje, vendo à distância e com um melhor entendimento das coisas da vida, posso compreender que essas limitações financeiras, em determinadas ocasiões, deviam ser tormentosas para os meus pais. Como no aniversário de cada um de nós e em épocas adequadas para presentear, a exemplo do Natal. Deve ter sido por isto que, relativamente cedo, fomos levados a descrer do mito do Papai Noel, que é uma bela fantasia infantil, mas, de rotina, um tanto quanto onerosa para pais e mães.

Mesmo assim, trago na memória algumas dessas ocasiões e do que ganhei em razão delas. Eram coisas simples, como um pequeno canivete com o cabo de madrepérola que a minha mãe comprou para mim, quando completei onze anos de idade e que me deixou absolutamente extasiado. Durante muito tempo ele andava comigo, para onde quer que eu fosse. E eu o exibia com orgulho, para os outros meninos, até que, mais de ano depois, fazendo uma estripulia qualquer, acabei quebrando a sua lâmina e pondo o motivo do meu encanto a perder.

Mas a lembrança mais forte que trago desses presentes simples que ganhávamos, nas fases de maior aperto, é a de um Natal, em que as coisas deviam estar realmente difíceis, para o lado dos responsáveis pela minha presença neste mundo.

Naquele tempo, determinadas frutas, como pera, maçã e uva eram mais raras e de aquisição difícil para o médio consumidor brasileiro. Porque eram importadas e custavam mais caro do que as que eram produzidas por aqui. Pois foi quando a minha mãe, sempre muito criativa, resolveu o problema de presentear os filhos com algumas frutas dessas, às quais adicionou uma pequena caixa de uva passa e que embrulhou em papel celofane, com um grande laço de fita vermelha. E nos deu isto de presente de Natal, dizendo que aquilo era "saúde". Portanto, na manhã daquele dia 25 de dezembro, eu estava feliz e entusiasmado com o que ganhara, porque, para mim, "saúde" era um presente como outro qualquer.

Muitos anos depois, já com dois filhos criados, fui surpreendido, numa noite de Natal, quando, na hora da troca dos presentes, recebi da minha filha — além de alguma outra coisa, que, para dizer a verdade, eu nem me lembro mais o que foi — um embrulho em papel celofane, amarrado com um grande laço de fita vermelha. E quando ela me entregou aquilo, entendi, imediatamente, do que se tratava. Embora nem me lembrasse mais de que, meses antes, em alguma das nossas conversas, eu havia contado para ela esta simples história e do criativo presente da minha mãe, em tempos bem mais difíceis.

E foi assim que ganhei, outra vez e tantos anos depois, um presente de "saúde". Que, pela delicadeza do gesto e pela fineza de espírito da minha filha, acabou se transformando, novamente, senão no único, mas, com certeza, no melhor presente daquele inesquecível Natal.

Campos (RJ), dezembro de 2014.

(*) Para Mariana, com amor.