Breve Digressão ao ano de 1.999.

Capital Inicial voltava aos palcos. Os ouvia nos fones de meu walkman do Paraguai, rádio Kiss FM, quinto ano da faculdade de Direito, morando num apartamento com minhas queridas tias, quatrocentos e trinta reais por mês, como estagiário do antigo Banespa, fora os bicos que fazia como panfleteiro, vendedor de purificadores de água e cursos de inglês, mesmo sem saber falar inglês, além de operador de radiochamada, os conhecidos bip's... Se lembram dos 'bip's'? "Bethany, Cristiano, código, por favor!...', este era o lema...

Naquele ano, que a princípio posso dizer que começou bem, assim como a vida de um modo geral, teve seus momentos de apogeu e queda... Alguns amigos me acompanharam, alguns amores, assim também como muitas dores...

Lembrar do passado faz com que a gente repense o presente e molde o futuro, Naquele ano, mais aproximadamente em junho, na semifinal da Copa do Brasil entre Palmeiras e Botafogo (ano em que o Juventude foi campeão), recebemos uma ligação, tia Rose chorando... Tio Carlos, que era juiz trabalhista, havia falecido num acidente automobilístico aos trinta e três anos de idade... O carro, um Kadett cinza, se incendiara num choque com um caminhão, cujo motorista estava bêbado... Rumamos às pressas para Miguelópolis... Me lembro que chorei a viagem toda... Tio Carlos era meu exemplo de homem dedicado ao conhecimento de uma maneira ampla... No velório poucas pessoas, chegamos de madrugada, fazia muito frio... Naquele tempo, quando já adulto, não tinha percebido a morte tão próxima... A partir dali minha busca incessante pelo conhecimento, principalmente assuntos relacionados à vida, à morte e à filosofia se intensificaram... 'Li muitos daqueles livros de sua estante!', gostaria te poder tê-lo dito, mas o tempo não foi suficiente... Chegou um tempo em que lia três livros de uma só vez, alternando os horários, dentro de vagões do Metrô, ônibus ou mesmo recostado em balcões de botecos sórdidos do Centro velho, estava sempre lendo... Até que novembro chegou e me presenteou com uma maldita meningite... Num final de semana viajei para Miguelópolis num ônibus muito quente e abafado, abarrotado de gente, passei com os amigos e me lembro até que fiquei com uma garota na praia, uma garota que não era da cidade... Voltei para Sampa no Domingo, Danúbio Azul, já com os sintomas de uma gripe forte. Trabalhei o dia todo e não consegui ir a faculdade. Minha cabeça doía muito! Cheguei ao apartamento das tias queridas, me deitei na cama e comecei a vomitar ininterruptamente, como se tudo quisesse sair de dentro de mim. Minha tia Fátima, desesperada, me dava todo tipo de medicamento, mas nada sanava...

Chamou Tio Dito que deixou o trabalho prontamente. Me encaminharam ao HC,onde a enfermeira dobrou meu pescoço e me enfiou uma agulha gigante na espinha, além de indagar-me que dia era aquele. Neste ponto quase perdi a compostura... Disse o dia, o ano, o mês, as horas e os segundos... Diagnosticada a meningite, duas semanas na UTI. Me lembro que Tia Rosa me levava maçãs (que adoro e adorava, mas que não podia... Não sei porque)... Numa noite, de tanta penicilina me gelando as veias, via Raul Seixas subir pela janela e me tocar uma canção que me tocou o coração. Meus Familiares vieram, minha mãe, probrezinha, veio até o padre, e os médicos dizendo: "Olha, se não matar, aleija!", mais ou menos nesse tom... Aquele ano foi dose, mas sobrevivi, e ainda o que foi melhor, sem sequelas, tudo devido à minha frequente prática de esportes e às maçãs que Tia Rosa me levava escondidas na bolsa, segundo o médico recém-formado Rodrigo Casagrande Tango, que me acompanhou o tempo todo e cujo nome nunca mais me esqueci...

Agora cá estou, quinze anos depois, mais vivo do que nunca, passando por outra crise, bem menor, que é o divórcio...

Acham que não vou sobreviver a isto?

Alguém tem alguma dúvida?

Noventa por cento de minha composição é de aço inoxidável, só dez por cento é de carne...

("... nós todos cometemos erros, e o meu foi acreditar... o passado é seguro, por isso estamos aqui...")

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 27/12/2014
Reeditado em 27/12/2014
Código do texto: T5082382
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