O AMOR VIRTUAL

Aluisio Roddrigues

Em alguns textos tenho abordado o repensamento de conceitos que a tecnologia, a globalização, tornaram obsoletos e que necessitam ser revistos para acompanhamento da evolução natural dos valores.

A informática, e por via de conseqüência, a Internet, têm provocado mudanças de atitudes comportamentais (para ficar apenas nessa área) antes tidas como impossíveis ou reprováveis, hoje aceitas, praticadas, cultuadas, vivenciadas, sem causar estranheza, posto que adaptadas e úteis à vida moderna.

A amizade e o amor virtual encaixam-se nesse exemplo de mudança, tanto de valores como de conceitos. Antes, a afeição palpável, objetiva, posto que definida como a atração de uma pessoa por outra, assumia a forma de atração física ou sentimental, ou outra manifestação de bem querência.

A ligação entre as pessoas era (e ainda é) recíproca, consentida ou ignorada, dependendo sua definição da conceituação de cada um sobre esse fenômeno de interação humana. Já expus em outro texto conceituação própria sobre esse tipo de amor.

A inovação trazida pela Internet, a qual antes me referi, é o acréscimo de um tercius jenus, ou uma combinação dos dois outros modelos. A ligação afetiva é estabelecida reciprocamente, mas tudo num plano que pode ser chamado de virtual: uma dimensão indefinida, zona gris, entre o real e o imaginário, o físico e o etéreo.

De regra, um dos pólos da ligação desconhece a identidade do outro; fornece-lhe, inicialmente, um nome fictício. A continuidade leva às declarações recíprocas das verdadeiras identidades. A natureza especial e diferenciadora do novo fator de afeiçoamento, amor ou amizade, persiste enquanto não há o contato visual, ou, às vezes, físico. Este momento constitui o fim da virtualidade. Não se trata mais de uma excepcional ligação afetiva. Tudo retorna ao status comum, ao amor convencional, até ao “amor à primeira vista “.

Neste ponto, surge um questionamento: qual a repercussão que essa nova estrela na constelação dos fatores existenciais pode provocar no sistema geral de relacionamentos, de amizades, de amores já consolidados?.

Sim, consolidadas, porque os relacionamentos instáveis, dado a própria natureza ,estão sujeito às variações sentimentais, às idiossincrasias, aos temperamentos igualmente instáveis, de cada um integrante da relação afetiva.

Eis a razão do questionamento. Há casais estáveis, de relação durável, já consolidada, em que um, ou ambos, recorre às salas de bate papo à procura de parceiros virtuais para interação à distância.

Seria tal atitude sinal de enfraquecimento dos seus relacionamentos? Seria uma fuga, para, por outros meios, mascarar uma aparente satisfação pessoal? Ou por outra, sinal de que a rotina, algoz silencioso e persistente de todo relacionamento, já estaria implantado ou dava sinais de sua presença?

Cada caso é um caso e, assim, merece análise objetiva individualizada. No geral, encaminho-me mais para o fantasma da rotina.

Eis o quadro: o relacionamento não tem conflito, a concórdia reina entre os parceiros, mas todos os atos e fatos da vida de ambos se repetem dia após dia numa freqüência acelerada na medida do transcurso do tempo. Quanto mais duradouro e aparentemente consolidado, mais ela se estabelece, ganha todos os espaços da vida em comum.

A solução muitas vezes é buscada em outro relacionamento, ainda que por mera experiência. O reascender daquele espírito de curiosidade, de busca pelo desconhecido imanente a todos nós, latentes em uns, aflorados em outros.

O grande mérito da informática, então, está na criação de outra solução quando não abre feridas nem deixa cicatrizes. A saída, involuntária, às vezes determinada, é socorrer-se desse novo modelo de relacionamento, igualmente afetivo e, na essência, também inofensivo ao relacionamento objetivo com o parceiro.

È certo que há riscos, pois os pensamentos podem transmudar-se do virtual para o real.

Sentimentos podem fluir de ambos os lados e evoluírem para uma paixão ou um amor de menor intensidade. Se isso ocorre, porém, não cabe a culpa ao fator virtual, mas surge em função da fragilidade latente, imperceptível, do relacionamento real, corroído senão por fatores vários, mas na repetição constante dos acontecimentos ou atitudes. Em resumo: a rotina.

O socorro ao novo modelo de comunicação constitui apenas a gota d’água, o acelerador do processo destrutivo já implantado. Não lhe cabe recriminação. Ao contrário, é mais um instrumento que a evolução dos tempos, o progresso tecnológico introduz no sistema convencional de relacionamento entre pessoas.

É mais uma forma ou modo de composição de conflitos, latentes ou não, no campo existencial. E esse novo modelo agregado aos convencionais, como chegou para ficar, não adianta fazer-lhe oposição. Melhor será aperfeiçoá-lo, adaptando-o mais e mais às constantes mudanças no processo inexorável de desenvolvimento e aperfeiçoamento da humanidade em todos os seus vetores.

Aos inconformados e recalcitrantes nada resta senão esbravejar contra os moinhos de vento do progresso.

Aos adeptos ou praticantes, resta adaptar a fórmula natural, já utilizada na televisão: se o programa não interessa, muda-se de canal.

Se a qualidade indesejável persiste, desliga-se o aparelho. Problema solucionado.

Biuza
Enviado por Biuza em 31/05/2007
Código do texto: T508734