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A TELEVISÃO


Chico Buarque de Hollanda compôs uma melodia em 1967 chamada “A televisão”, que fez parte de seu segundo disco LP, lançado pela gravadora RGE. Seus versos já retratavam naquela época as agruras e o desconforto causados pela presença da televisão nos lares das famílias brasileiras de então, que começavam a abandonar seus costumes mais tradicionais para render-se à chegada cada vez mais abrangente da televisão. Eram poucas emissoras, não existiam as redes nacionais, as imagens eram transmitidas em preto e branco e estava começando a geração do vídeo-tape, pois até ali era tudo feito ao vivo.

Dizia Chico em seus belos versos: O homem da rua / Fica só por teimosia / Não encontra companhia / Mas pra casa não vai não / Em casa a roda / Já mudou, que a moda muda / A roda é triste, a roda é muda / Em volta lá da televisão / No céu a lua / Surge grande e muito prosa / Dá uma volta graciosa / Pra chamar as atenções / O homem da rua / Que da lua está distante / Por ser nêgo bem falante / Fala só com seus botões / O homem da rua / Com seu tamborim calado / Já pode esperar sentado / Sua escola não vem não / A sua gente / Está aprendendo humildemente / Um batuque diferente / Que vem lá da televisão / No céu a lua / Que não estava no programa / Cheia e nua, chega e chama / Pra mostrar evoluções / O homem da rua não percebe o seu chamego / E por falta doutro nêgo / Samba só com seus botões / Os namorados / Já dispensam seu namoro / Quem quer riso, quem quer choro / Não faz mais esforço não / E a própria vida / Ainda vai sentar sentida / Vendo a vida mais vivida / Que vem lá da televisão / O homem da rua / Por ser nêgo conformado / Deixa a lua ali de lado / E vai ligar os seus botões / No céu a lua / Encabulada e já minguando / Numa nuvem se ocultando / Vai de volta pros sertões.

Percebe-se em seus versos a solidão pela qual vai passando nosso “nêgo bem falante”, esquecido pela falta de outro nêgo, pela sua escola que não vem e por seu tamborim calado, até que começa a dançar com seus botões que acabam por ser os botões da televisão que vão dominar nosso “nêgo”.

Até os namorados podem se dar ao luxo de procurar riso e choro na televisão, sem fazer o menor esforço e sem provocar aquela briguinha gostosa que até pode esquentar uma relação que anda meio morna.

A lua, coitada, sentindo-se ignorada e desprestigiada, deu-se por vencida, virou as costas e, com um pouquinho de vergonha, ocultou-se sobre uma nuvem e foi pros sertões iluminar lugares que ainda lhe restavam iluminar e onde aquele aparelhinho maluco ainda não havia chegado.

E hoje, em pleno século XXI, a televisão invadiu todos os cantos possíveis de se imaginar, em quase todos os lugares do mundo, nas mais variadas formas de transmissão, em redes nacionais, a cores, som estéreo, aparelhos com tela plana, LCD, plasma, imagens digitalizadas, um verdadeiro show de tecnologia. Programas dos mais variados, atrações sem fim, filmes, entrevistas, debates, transmissões ao vivo dos mais longínquos rincões deste planeta...

E nós? Nós estamos cada vez mais afastados de nós mesmos, formando uma roda triste e muda em volta da televisão. Não se conversa, a sala de visitas já não existe mais, o jantar é digerido em volta da televisão, os restaurantes – inclusive os de luxo – têm lá sua televisão (ou várias) de modo a garantir que seus fregueses assistam às novelas, aos telejornais, ao futebol, e qualquer outro tipo de programa. Você entra num restaurante e percebe as pessoas caladas, ligadas apenas na televisão, naquele vício maldito de ficar olhando pra telinha colorida, criando cenas verdadeiramente patéticas. Devia ser proibida televisão em restaurante até mesmo por respeito ao próprio cozinheiro que batalha por seus belos pratos, e que muitas vezes são simplesmente engolidos, porque presta-se mais atenção na televisão do que na gastronomia.

Não sou daqueles que dizem “detestar televisão”. Até que gosto e procuro assistir a bons programas, alguns filmes, esportes e musicais de boa qualidade e, é claro, filmes também no aparelho de DVD. Portanto este meu texto não deve ser encarado como uma declaração de guerra à televisão, mas como uma maneira racional de utilizá-la sem tornar-se escravo de suas mazelas, em detrimento do relacionamento pessoal e familiar.

Vamos tentar incutir em nosso sub-consciente a mensagem que Chico quis transmitir naquele 1967, usando a televisão como tema principal, quando ainda estávamos muito longe das loucuras e das arritmias de hoje.

 
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