Chuva de Janeiro

Chuva de Janeiro

Acabou o Réveillon, passou o fim-de-semana, e chegou a Segunda-feira. Apavorante para uns, inesperada para os que ainda não acordaram da ressaca, desconfortável para quem não está ainda ligado, e tremendamente chata, pois a rotina se agarra em nós com uma vontade férrea de nos lembrar a cada minuto, que somos prisioneiros do status que vivemos, temos, somos?

Realidade cruel, o “sonho” poderia se estender por mais algumas horas. Acredito ser esse um desejo quase coletivo ao redor do planeta.

A manhã está quente e cinzenta, levando meus pensamentos para o passado tão distante.

Janeiro, na minha inocência eu esperava cair as primeiras gotas de chuva para tomar banho na água que escorria da calha do telhado de minha casa. Era um ritual, eu, meus irmãos e algumas crianças da vizinhança. Ai! Como era delicioso! Lá vinha a minha vizinha com seu traje de banho fora de moda, mas muito feliz, pois seria batizada pelas águas divinas. Saudades.

Quando vejo que as nuvens de hoje estão formando um tapete negro no horizonte me apavoro. Exagero? Claro que não. O tempo passou e até mesmo a chuva ficou diferente.

Hoje uma simples chuva caindo por algumas horas pode alterar milhares de destinos e trazer conseqüências imprevisíveis para todos. Catástrofes, tragédias, miséria, desespero.

Sinto outra vez, saudades. Aquela sensação de ser tão inocente e nada saber. Olho além dos muros da minha casa, ninguém está espiando, os relâmpagos já acalmaram, e as trovoadas fugiram para outros lados. Já anoiteceu. Os pingos da chuva estão mais fracos. Não resisto aquele desejo íntimo de aventura, abro a porta da sala, saio correndo para os fundos da minha casa. Sou menina de sete anos tomando banho de chuva, recebendo as bênçãos divinas. Olho para os lados na esperança de ver o vulto alto da Dona Alice, minha vizinha ela não está mais lá, certamente me espia de algum lugar, além da estratosfera. Sinto que alguma coisa estranha no meio do colo. Coloco os dedos e de lá retiro uma folha seca da mangueira. É verão, está chovendo, estou chorando com a chuva a tristeza de não ter mais a inocência de uma criança, a saudade dos que me deixaram, a incerteza do futuro que mês aguarda. Choro também por todos aqueles que não conhecem a poesia que é cada gota de chuva caindo sobre o corpo. Choro por aqueles que já não crêem ser a chuva uma benção divina. Choro porque quando amadurecemos, vemos com os olhos da experiência sem preconceitos e ilusões. As verdades são mais evidentes e certa coragem se anuncia, talvez um pouco fortuita ou temerosa de saber que o tempo não cansa de nos mandar seus avisos, recados, talvez, ultimatos.

Sendo assim, abram seus braços e caiam na chuva, para se molhar, para sentir as bênçãos de Deus, em lágrimas de protesto por nossas atitudes tão indiferentes com a natureza e a saúde do planeta.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 05/01/2015
Código do texto: T5092001
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