Meu amigo, o Carteiro

Quando eu estava triste meu pai sempre dava um jeitinho de me animar. Me chamava de “pretinha” e me convidava para caminhar até a esquina e me mostrava um galho de árvore diferente, um passarinho que cantava, o menino que corria, as nuvens no céu. Tudo para me ver sorrir. Eu amava muito minha mãe, mas a intimidade com meu pai era gritante. Nossa paixão pela aventura, pelas viagens para luares inusitados, pelas comidas exóticas, pela facilidade em se comunicar, principalmente pelo gosto pela leitura, eu dormia ouvindo histórias sobre Camões e as histórias da sua infância em Trás-os-Montes. Um dia conversamos sobre cartas, ele me disse que já recebeu muitas cartas e que gostaria de receber mais, só que hoje ninguém mais escreve pra ninguém, só passa e-mail. Eu também disse pra ele que adoraria receber uma carta escrita a mão. Não muito longe desse dia o carteiro tocou a campainha, fui até lá e ele estava dando gargalhadas com uma carta na mão, eu perguntei se era uma carta especial para ele me chamar, só cartas registradas com AR é que precisam ser assinadas pelos destinatários. Ele me disse que meu pai deveria estar maluco (ele já nos conhecia e tínhamos intimidade suficiente para ele chamar meu pai de maluco, rss..) pois meu pai tinha escrito uma carta pra mim e morávamos no mesmo endereço (quando minha mãe fez sua passagem para outro plano meu pai veio morar comigo). Eu chorei de emoção e abracei o carteiro. Expliquei o que acontecera, ele ficou emocionado e disse que eu tinha muita sorte de ter um pai como o meu e se foi me deixando com minha preciosidade na mão. Nesse dia, meu pai, ficou até mais tarde dando suas voltas pela cidade de propósito para que desse tempo da carta chegar e eu a ter recebido. Abri a carta e lá estava escrito:

“Minha “pretinha” não fique mais triste enquanto eu estiver aqui vou escrever sempre pra você. Não escrevo tão bem quanto você, mas ainda sei contar histórias, recitar Camões e ainda posso te contar sobre como cheguei aqui no Brasil num navio enorme até ter você nos meus braços. Te amo sempre. Teu pai.

PS:Eu sempre o chamava de “Meu rico português”, até hoje lembro dessa carta quando vou ver a caixinha dos correios. Ele também fez a passagem para outro plano. Nos encontraremos novamente, tenho certeza. Agora escrevo para meu filho e conto a mesma história de como o seu avô chegou ao Brasil num navio enorme até o dia em que o carreguei no colo pela primeira vez.

Ana Maria de Moraes Carvalho
Enviado por Ana Maria de Moraes Carvalho em 07/01/2015
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