O PODER DE UMA BOLHA

Em setembro de 2011 fui contratado por uma cliente, para realizar serviços de pintura em seu apartamento novo. É, por mais estranho que possa parecer, o apartamento acabara de ser construído, tendo sido concedida a imissão de posse à proprietária.

Reclamava ela que a mão saia suja de tinta, ao ser passada pela parede. Mas o que mais a motivou a contratar os meus serviços, foi a observação de ondulações na parede frontal à entrada da sala. Parede essa em que também havia um incômodo indesejável caroço.

Dia após dia ia evoluindo nos trabalhos e como não poderia deixar de ser, a tal parede frontal da sala me deu muito trabalho. Requereu remoção da protuberância e diversas e sucessivas aplicações de massa corrida, até chegar a um estado mais aceitável.

Apliquei demão e tinta e percebi que ainda restavam alguns pontos a serem trabalhados. Reapliquei massa corrida e novamente demão de tinta. Após dias de dedicação exclusiva dei-me por satisfeito quanto ao resultado mas, faltava ainda a segunda e definitiva demão de tinta. O relógio marcava 22h30 daquele dia 05/10/2011 e tudo estava preparado. Todas as demais dependências do apartamento encontravam-se devidamente varridas, lavadas e sem resíduos ou resquícios das atividades de pintura. Apenas as proximidades da citada parede encontravam-se com proteção de fitas e jornais.

Havia decidido que terminaria os serviços ainda naquela noite, sem, portanto, ter que voltar mais ao local para aquelas atividades. Dessa feita, iniciei a aplicação final da cobertura. Para minha tristeza e indignação, a meia altura e próximo à porção central da parede, surgiu uma horrorosa e indesejável bolha. Decepção; aquela pequena ruga, um quase nada, com diâmetro não superior a 0,5cm, estava sendo capaz de anular a beleza e a imponência dos aproximados 9m2 de área trabalhada e pintada daquela parede.

Tendo sido a tinta tão recentemente aplicada não havia muito o que fazer, pois era necessário deixar secar para proceder à correção.

Decidi que daria o trabalho por encerrado e que a cliente deveria relevar aquela diminuta aberração. Recolhi os ferramentais, EPI’s e utensílios e deixei a habitação por volta das 23h50.

Amanheceu o dia e sobreveio-me o terrível pensamento: isso não está certo. A cicatriz pelo romper da bolha não pode permanecer. Não é, sobre o ponto de vista de um profissional zeloso, aceitável entregar um serviço com tal anomalia.

Repensei. Decidi que ia enfrentar o trânsito congestionado, compor a fila de motocicletas rompendo os extensos e perigosos corredores deixados pelos automóveis, caminhões, ônibus e carretas, entre uma e outra pista e que iria me submeter a toda aquela agitação e poluição, e que, a despeito de todo o risco de acidente, iria romper os 23 quilômetros de distância entre a origem e o destino, para retocar, fazer uma “plástica” na “cicatriz”, corrigir, antes de entregar em definitivo a obra.

A vingança foi consumada e assim senti-me menos frustrado e de todo aliviado; a bolha não se apossará mais dos meus pensamentos.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 09/01/2015
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