SOBRESTAMENTO

Espancou a tristura recente. Conduzido pela vadiação domingueira, trespassou com superioridade a neblina íntima, rumo à varanda ensolarada.

Livros, imagens da tevê, fotografias e jornais passaram pelos olhos com alma de fumaça.

Na atmosfera do laissez-aller, heróis e vilões mundiais, devidamente maquiados, contracenavam em uma teia violenta e complexa.

Às favas com os opiniáticos, os fanáticos, os estabelecimentos, as obrigações, a papelaria em atraso, o e-mail refratário e a barba por fazer.

O jeito era liberar os cafundós, driblar as repressões e tudo o mais que causasse dano aos benefícios cartesianos.

Por isso, mandou para longe a cumplicidade inútil dos geniais confortos tecnológicos, grandes inventos que aprisionavam a individualidade na solidão coletiva.

Aos poucos, hipnotizou o tempo e apascentou o espírito. Sob a mediação de um vinho tinto levemente encorpado, firmou um armistício com a própria consciência.

Na intimidade, desculpou-se por algumas gafes irreversíveis e alterou rumos.

Ao som de "From the Beginning", deixou-se estar, enquanto o indelével, para o conforto da alma, como partitura solta, desfilava em "flash back" e "slow motion" ao seu redor.