Matuta psicóloga

A matuta psicóloga

Acordo cedo, para fazer minhas orações, tomar o café no quintal onde os pássaros costumam cantar ao amanhecer, rego as plantas como de costume. É uma segunda feira. O dia que planejo o que fazer durante a semana. Logo mais ouço alguém tocar a campainha é o carteiro que me traz o convite pra uma festa de formatura. Agradeci.

Ao ler o convite foi grande a minha surpresa. Minha rotina semanal acabara de mudar.

Enquanto lia, fui lembrando que num passado não muito distante ao chegar à escola pra vender literatura de cordel, vi uma adolescente chorando no canto da sala.

Aproximei-me e numa breve conversa ela falou que sofria preconceito por morar na roça, era a matuta da sala, por assim dizer, ela não gostava. Eu fiz um carinho no seu cabelo, lembrando que na minha adolescência quase abandonei os estudos pelo mesmo motivo, mas não o fiz.

“Eu entendo o que você está sentindo, mas quem deve sofrer são os que fazem isso com você” – expliquei.

Conversamos muito naquele dia, no outro e no outro... Como nos identificamos nos tornamos amigas, por alguns anos, até que ela foi embora e perdemos o contato.

Mas abrindo o convite, vejo uma pequena carta no mesmo envelope. Onde ela me agradece pelo carinho, conta que seus colegas “os preconceituosos” desistiram de estudar e se perderam na vida. Ela ao contrário deles, refletiu sobre tudo que falamos, aprendeu a ouvir e se orgulhar de suas raízes. Fala que decidiu estudar psicologia para ajudar as vitimas do preconceito e mais ainda os preconceituosos que de fato é quem mais precisa de ajuda. Diz que aprendeu enfrentar as dificuldades da vida, entender e aceitar as pessoas com seus defeitos e qualidades, nas longas conversas que teve comigo. E assinou. A matuta psicóloga.

Ela nem imagina que eu mais aprendi do que ensinei, com a valentia e a força que encontrei embaixo de cada lágrima ou tímido sorriso que vi em seu rosto.

Dilma de Caboclo/Ouricuri-PE: 10/10/2014