O Velho

O velho via mundos. Eram como janelas que se alteravam conforme o movimento rápido e preciso de seus dedos.

Nunca eram iguais, sempre diferentes, exóticos, bonitos, áridos, enfim, de uma diversidade enorme. Com isso aprendeu a ver também variações do tempo. Passado, futuro, o encontro, o provável e o infindável.

Houve um tempo que isso o machucou muito, não as visões, estas eram agradáveis ou pelo menos estimulante. O difícil foi aprender a falar disso. Foi chamado de demente, senil, caduco, embora tivessem alguns que vislumbrassem sabedoria em suas palavras, muitos poucos, é verdade, mas isso não fazia diferença, podia ser apenas um, ou ninguem, nunca teve interesse em fama ou vaidade.

Todavia achava prazeroso quando perguntavam sobre os mundos. Mesmo quando sabia ser troça, ainda assim gostava de falar, descreve-los.

No inicio tentou fazer uma espécie de inventario com uma descrição sumaria dos diversos mundos, cansou no setenta e oito. Chegou a ficar em duvida, se apenas via ou realmente os visitava. Como explicar o arranhão no pé logo após o mundo da floresta luxuriante e grama espinhosa.

Depois que entendeu que os adultos jamais aceitariam suas experiências, sempre o tomariam por louco, evitou comentar sobre os eventos e logo pararam de evita-lo. Conversava de política, economia e essas coisas que interessam aos adultos. Mas com as crianças... ah, com essas ele podia falar, contar tudo e ver seus olhinhos brilharem. Dragões vermelhos, raios de luz azul, vermes gigantes verdes. Cores girando, mudando, se fundindo e explodindo em novas cores. Tudo era novo, instigante. Suas narrativas transportavam os ouvintes consigo.

Assim viveu por uns tempos, até que o arranhão no pé agravou, subiu, tomou a perna e acabou virando uma infecção generalizada.

Finalmente partiu para sua ultima viagem à procura das cores e luzes que tanto o encantaram.

Para a felicidade do velho, a família costuma respeitar os últimos pedidos do defunto.

Estava muito elegante em seu sapato de cromo brilhante, seu terno preto mais novo e no bolso interno seu inseparável caleidoscópio.

Nilo Paraná
Enviado por Nilo Paraná em 19/01/2015
Reeditado em 07/06/2015
Código do texto: T5106894
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