O MEDO
O medo
Medo, medo mesmo, sentiu Julião. Capanga de Sinhozinho Anacleto da Serra Bonita. No meio de um tiroteio, o qual ele, Julião, não deu nem um tiro. Desorientado. Saiu desbandeirado por dentro do mato. O medo foi tão grande que o danado nem olhava para traz. Deparou-se com uma cerca de arame farpado. A pressa era tão grande que mergulhou rasteiro pelo arame de baixo. Na passagem, o arame cravou suas unhas na sua camisa. O caboclo estremeceu, forçou, mas como se viu puxado, o cabra safado com os olhos arregalados entre choro e pavor deu um grito - Me sorte seu coroné, num atire, num me mate, porque eu sôr do seu lado!
Um medo é danado para puxar outro.
Compadre Zé Preto, vexado, o negro preto estava branco, e quase sem ar e fala. Quase morto e quase vivo e de olhos "abuticados":
– Cumpade Luii! Gritou.
– O que fui! Compadre Zé Preto. Que aconteceu homem!
– Ela quage mim pega.
– Quem!
– A onça
– A onça?
– Ela mesma, im pessoa.
– Que História é essa Zé.
– Ói, cumpade Luii num fosse eu mais ligeiro tava môrtim, môrtinho.
– E a onça Zé.
– Qui tem a onça cumpade.
– De que cor era ela, Zé.
– Pintada cumpade.
– Pintada?
– Sim, cumpade eu acho qui era.
– Zé, onça pintada não tem por essas bandas, Zé.
– Ôche cumpade ta me chamando de mentiroso?
– Não Zé. Será que não foi o gato mãezinha moça.
– Será cumpade?
– O gato é grande pintado e danado de arisco.
– Não compade! Eu juro que era uma onça, das grande. Oi, ela, eu acho, tinha quage quato mertros de artura.
– Compadre Zé! Compadre Zé!
– Qui foi cumpade.
– Você esteve na missa no domingo?
– Não
– O padre falou que existe um medo para cada cabra frouxo.
– Cumpade!
Daqueles tempos, só existem as lembranças e a saudade. Meu pai mais velho. Julião, Zé Preto, nem soube mais deles. Alguns fios de cabelo branco na minha fronte denunciam que é passado. Aqueles medos também mudaram. Coronéis e onças são coisas de outrora. Hoje existem outros medos.
Medo no longo prazo: - Nada vai dar certo na minha vida. Medo no médio prazo: - Vou estudar, mas sei que não vou passar nas provas. Medo em prestação: sair de casa, entrar no carro, ir para festas, sair à noite.
E o medo à vista: Ser feliz.
Manuel Oliveira.