DESAPEGO

Apelo ao seu coração, quando falo das manhã que desvendam a profundidade do mundo, quando me refiro à têmpera silvestre que recebemos dos incensos naturais.

Chego a invocar a mímica do vento e a prece esverdear-dourada dos Salgueiros. Por fim, imploro através jeitos e palavras intactas.

Em vão.

Aos poucos, entrecortada por monossílabos, a noite sobrechega. O quilate de vésper brilha nos seus olhos. A nau, destemida e invisível, perde-se na rota das estrelas como os gestos em meio ao silêncio, como a circunstância por entre nossos pensamentos. Controlo a respiração, fecho os olhos, mas não consigo arredar do espírito os mapas que se desenham no cosmorama dos seus olhos.

Já é tarde. Ela se desvencilha do meu abraço e entrega-se ao sono.

A procura do conforto para o espírito, viajo no céu crepitado da lareira, acompanho as erupções azuis-esverdeadas que voltam às brasas.

Amanhece. Triste, mas determinada, ela se ajeita no carro, gaiola libertando conquistas, e se despede com o olhar.

Fico como o pasto ceifado, que logo será dos animais.

Preciso voltar aos deveres, mas eta! chuvinha que atrapalha os olhos da gente, que não sabe trabalhar direito assim pelo meio, com a alma vazia e as imagens quebradas.

Afundo as mãos na terra, nos frutos do meu suor. A noite, tocado pelo receio de que não mais nos veremos, navego pelos mares da lua cheia. Mais algum tempo, a melancolia, trabalhada pelo orvalho, restará dissipada nos ares da vida. Terá de ser assim.