O Aval da Carne

Carnaval.

Brincadeiras pueris. Ou não.

Roçados de corpos, suor de dança, uns milhares de goles a mais, ebriedade gostosa, sensação de que nesses dias tudo podemos e tudo faremos.

Não importa se a vida estava ruim ou até legal demais, não importa se fiz dívidas com meu cartão de crédito, não importa o vexame que dei zoando os outros pela rua, não importa se traí o meu melhor amigo... nós estávamos todos tão loucos, eu somente beijei a namorada dele, ela estava tão doce e safadinha, se oferecendo pra mim. Ele depois entenderá, afinal, é Carnaval.

Antes de sair passei na casa da minha mãe, a beijei na testa e disse que a amava. Ela estava muito doente, e me olhou como se dissesse: "fica aqui comigo, acho que estou chegando ao fim". Fingi não perceber e orei a Deus para que a protegesse. (nessas hora eu lembro dEle). Mesmo querendo eu não podia ficar, pois eu já havia comprado meu abadá. Afinal, Carnaval é só uma vez ao ano... e ela ficará bem.

Meu chefe enfim me passou o trabalho que eu tanto esperava, para que eu o fizesse em casa. Ele contou comigo para um extra no feriado, ele acreditou que eu faria um bom serviço. Deixei para quarta de cinzas. Afinal, o Carnaval me espera e o trabalho pode ficar pra depois... vai dar tempo.

No último dia de folia peguei outra menina que me deu mole, era a mais gata de todas. Meus amigos todos marcando o território dela, e ela me querendo. Divertida, simpática, que beijo bom, que língua! Imagina na cama, não podia deixar escapar essa. Ela foi buscar uma bebida, no caminho encontrou dois amigos, gargalhou com eles, demorou um pouco. Fiquei enciumado, mas ela voltou, me beijou forte, disse que havia pedido o melhor drink de todos pra mim. Nunca tinha tomado nada parecido, mas era bom... ela fazia tudo ficar bom. Dançamos, curtimos, nos agarramos... De repente tonteei, minha cabeça pesou, quase não havia comido esses dias, deve ser isso. Fui ficando fraco, perdendo a força das pernas... caralho, o quê está acontecendo?

...

Hoje, sexta-feira, acordei num hospital. O tal 'melhor drink de todos' não passava de um 'Boa Noite Cinderela', segundo o médico. Levaram meu carro, celular, dinheiro, documentos. Fui encontrado em uma estrada de terra, amarrado, desacordado. Uma cilada. Sobrevivi.

Minha mãe piorou, por coincidência está internada no mesmo hospital que eu. Preciso melhorar para vê-la, quero dizer a ela que não troco nada mais por estar em sua companhia, até o fim. Minha promoção no emprego foi por água abaixo por não cumprir minha tarefa. Meu (ex)melhor amigo, comovido com a preocupação de minha mãe devido a meu sumiço, foi quem acionou a polícia para me localizar... mas se afastou de mim, nem ao menos veio me visitar. Soube através de um outro amigo que ele terminou com a namorada, eles estavam juntos há tantos anos... iam se casar em breve. Aquele beijo de Judas que dei nela, tão doce, hoje sinto o amargo que havia nele.

Arrisquei tudo o que tinha por alguns dias de prazer.

Agora estou aqui, triste, arrependido, grato a Deus por ter tido misericórdia.

Envergonhado por só buscá-Lo quando preciso. Cuide da minha mãe, Senhor!

Amanhã receberei alta, recomeçarei, do zero e sozinho.

"C'est la vie !"

Texto de Christiano Buys

Revisado e adaptado por Monique Buys

Christiano Buys
Enviado por Christiano Buys em 17/02/2015
Reeditado em 17/02/2015
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