Imagem do Google / www.abef.org



 
E HAJA VIRTUALIDADE!...

 
      Já chegou à mesa do restaurante com o celular pregado ao ouvido esquerdo. Com a mão direita, ela segurava o prato do self-service, devidamente municiado. Depositou a refeição, afastou a cadeira e sentou-se.
 
      Sozinha, sem afastar um segundo o aparelho da orelha, deu início à sessão do almoço. A mão do garfo era hábil. Não via nada do que se lhe passava em redor, porque a comida e a audiência em que estava absorvida eram o que mais lhe importava.
 
      Da mesa que dava para a rua, longe, sob a proteção de plantas verdinhas, botei sentido nas ações imutáveis da moça. Não mudava no modo de agir; o celular ao ouvido e o prato eram seus únicos atrativos.
 
      Refleti: como alguém é tão aficionado a uma conversa pelo fio, a ponto de não fazer uma pausa nem para almoçar?
 
      Pois assim foi: a moça nada fez de outra maneira e até o final da xepa não se largou do celular nem da conversa. É certo que, pela minha espionagem à distância, a dita não falava quase, apenas ouvia e ouvia.
 
      Quem, com tanto poder de fazer-se ouvido, estaria do outro lado da linha? Namorado, marcando um encontro? A mãe, lhe aplicando um conselho?  Ou o chefe dela, a lhe repassar orientações inadiáveis para o expediente da semana seguinte?
 
      Ia-me esquecendo de dizer-lhes que era sábado, dia e local onde, vez em vez, só e sozinho, ponho minha cabeça a desanuviar-se, ao nada fazer da degustação de uma bem gelada cervejinha.
 
      Agora, amigos de minh’alma, pensam que concluí ao que assisti da solitária mulher aficionada por celular? Não e não, ainda.
 
      Do modo mesmo que chegou à mesa, a senhorinha pôs-se de pé, afastou a cadeira, como sói acontecer às pessoas urbanas, agora sem o estorvo do prato e lá se foi para o caixa, quitar a despesa.
 
      E o celular? De jeito nenhum, nem a vaca tossindo, se lhe despregou da orelha. Mas o treco modernoso tomara novo endereço: o ouvido direito. Isto, pelo menos, no percurso até ao caixa. De lá, não vi que fim levou a moça viciada na virtualidade.
 
Fort., 18/02/2015.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 18/02/2015
Código do texto: T5141224
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.