PARA QUÊ SERVEM AS MÃOS ?!

PARA QUE SERVEM AS MÃOS ?!

"Quando os teu mais lindos sonhos / e os

momentos tão risonhos / um dia o Destino

encerrar... / reúna toda a coragem / pra

seguir, só, a viagem / porque um novo dia

há de chegar"!

"NATO" AZEVEDO (trecho de versão livre

de "Farewell Angeline", BOB DYLAN)

"Para que servem as mãos? As mãos servem

para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar,

suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar,

admirar, confessar...", etc.

(trecho inicial do "MONÓLOGO DAS MÃOS",

do jornalista Giuseppe Ghiaroni, anos 60)

"As coisas que mais se deseja podem

(vir a) ser as que mais nos prejudicam".

ANA MARIA BRAGA (no programa

MAIS VOCÊ, da TV Globo, 2014)

Creio que bem antes de se tornar um ator global, na pele do irritado Fernandinho -- marido da obtusa Ophélia, do humorístico televisivo "Balança, mas não cai" -- o paraense Lúcio Mauro ficou famoso no país inteiro declamando o imenso poema "Monólogo das Mãos", suponho que primeiro na TV e, adiante, nas Rádios e nos lares do país inteiro, gravado num "disquinho" (chamado de Compacto) que o Brasil todo comprou, quem tinha vitrola, eletrola ou "radiola" (toca-discos portátil, com Rádio AM/FM acoplado) pelo menos.

"Dar a mão" é uma expressão talvez apenas do idioma Português -- é possível que não exista em outros países -- cujo sentido é AJUDAR ALGUÉM... a pedido deste ou mesmo quando não se pede. "Dar a mão" independe de amizade, conhecimento anterior, interesses, importância do ajudado. Nesse contexto, a tal "vaquinha" virtual vulgo "crowdfunding" exprime por completo a expressão.

Duvido muito que eu chegaria até aqui se não tivesse tido a ajuda, diversas ajudas, se muitas pessoas não me "dessem a mão" em algum momento. Ou melhor, colaborassem com minha mãe e seu 2 filhos gêmeos, colocando-nos numa boa creche, batizados com a ajuda do "padrinho" Ferreira (José? Antônio?), um sacristão negro muito querido por todos na igreja-matriz de Copacabana. Por volta de 1967/68, quando voltamos ao Rio, padrinho Ferreira trabalhava numa igreja próxima da rua Bolívar, não sei o nome,

Nossa madrinha de batismo foi uma certa Iracema, não sei se amiga de minha mãe ou apenas funcionária da creche, ao lado da Matriz. Uma vez nossa mãe nos fez viajar por horas e horas -- de barca e carroça -- para uma certa Alcântara, bem depois de Niterói, diz meu irmão que para visitar essa nossa madrinha.

Os diversos patrões que minha mãe teve, enquanto empregada doméstica, de certa forma ajudavam, ao menos nos permitindo ficar em suas casas luxuosas, digo, apartamentos. Mas a figura mais presente em nossos primeiros anos foi a da "Vovó" -- não tinha nome, até onde lembro! (*1) -- uma portuguesa tradicional, de vestidão e xale, baixinha e gordota, que vivia sozinha num casarão cinza de 2 andares, bem próximo do Túnel Velho, no final da rua Siqueira Campos. Morava no andar de cima, sobre antiga padaria, com uma escadaria enorme ao lado da casa, subindo para a Ladeira Tabajaras. Toda tardinha "vovó" sentava na varandinha com corrimão de ferro e nos aguardava pacientemente... por horas e horas. Não lhe importava a hora, com a mão sinalizava para minha mãe subir, os 2 pimpolhos sustentados com vigor nos braços descarnados. Por anos a senhora portuguesa nos doou todos os dias comida, doces e até dinheiro, "netinhos" adotados por 1 mão caridosa.

Quinze anos depois a visitamos pela derradeira vez... estava senil, com medo de tudo, pacotes e caixas de alimentos debaixo da cama, o pavor de morrer de fome suponho, abandonada por filhos e parentes, como sempre viveu ! GRATIDÃO existe até por parte dos animais ferozes... aquele aceno de mão na noite escura está gravado para sempre em meu coração! Distante mais de 1000 km dos "gêmeos da dona Maria", nossa "vovó" enviou para a distante Santa Catarina 2 conjuntos completos para nossa 1ª Comunhão, terno (e sapatos?) branco, camisa rendada, livrinho de capa dura, enfeite dourado para o antebraço e gravatinha borboleta vermelha, que guardei por muitos anos. Fomos os fiéis mais elegantes daquela festa cristã! Quiz o Destino que eu jamais soubesse o nome ou sobrenome dessa "filha de N. Sra. de Fátima", portuguesa de valor. Deus a tem no Reino da Glória !

A irmã de meu pai, tia Anita, praticamente nos criou por cerca de 8 ou 10 anos, nos ajudando de várias formas e nos ensinando com seu exemplo e vivência. Somente uma vez minha mãe esteve em Rio Negro, no Paraná, levada por meu pai e, em outra ocasião, apareceria de surpresa lá no "colégio de padres", "profissão" que era o sonho da tia beata para este sobrinho "desgarrado" do rebanho que, aos 5 anos, fumava "guimba" de cigarros achados nas calçadas e pegava "carona" no caminhões de entrega que subiam o Morro onde nasci.

Minha recordação se prende ao colégio primário, em Alto Paraguaçu (SC), de freiras severas e silenciosas, as Irmãs Vicentinas. Irmã Edvirges -- nascida Edwiga, na Polônia -- ainda tinha sotaque e uma "paciência de Jó". Já pelos 80 anos tinha energia e disposição para lecionar, embora só tratasse de bordados, tapeçaria e pintura. Aprendemos muito com ela, meu irmão e eu. Essa freira foi meu anjo de guarda, cuidava sem reclamar de uma ferida na canela que adquiri no 2º ano letivo (1962) e que me acompanhou nos anos seguintes, devido ao frio intenso. Assim que voltei ao Rio, a ferida cicatrizou sozinha em 2 semanas.

Empresas podem te "dar a mão"?! E porque não? No Rio dos anos 70 fiz vários amigos em muitos empregos diferentes, mas evitava falar de minha vida pessoal e das dificuldades e necessidades que qualquer favelado tem. Mesmo assim, quando me propuz organizar na praia torneios de futebol infantil recebi ajuda dos pais da garotada e, em certa época, da empresa UNIJOVEM -- não lembro que tipo de material fabricava -- que me ofereceu camisas, barraca, guarda-sol e o que mais precisasse. Como estava de viagem marcada para Belém repassei a oferta para um diretor do time juvenil do Juventus FC.

Já no Pará, no interior, voltei a realizar torneios, tendo recebido material da Y. YAMADA (através da sra. Oneide Galúcio), da HERING de Recife -- via Correios, doação do gerente Osni Silva, que nem me conhecia, isso em 1984/85 -- e do antigo DEFIDE, na capital, por cortesia de um certo Franklin Tavares, diretor do Departamento na época. Quando perdemos a casa (alugada) onde morávamos, em 1988 -- demolida com mais 30 e tantas outras para virar um supermercado -- Wilson Camacho nos ofereceu sem hesitar uma garagem, na qual pretendia dar aulas... pouco depois mestre "Robertão" nos doou uma casa inteira, para moradia pelo tempo que precisássemos, sem nos cobrar 1 centavo. Capoeirista de valor, Roberto Almeida colaboraria com nossos sonhos e objetivos, sempre que solicitamos.

Se o assunto fôr fotografia, muita gente nos ajudou, doando seus registros com o tema CAPOEIRA para nossas exposições: Carlos Rauda -- o fotógrafo número 1 da Capoeira, no Pará -- Mira Jatene, Márcia (?) Rodrigues, Edmilson Nascimento, Edinaldo Silva, Antônio José "Brás" Bahia, Rufino Almeida e outros mais.

(OBS: retomo no Carnaval de 2015 as memórias iniciadas no dia de Finados de 2014)

Minha entrada no Universo cibernético -- em 2004 ou 2007 graças a Fernando Rabelo -- veio acompanhada por uma inacreditável surpresa: um computador completo, notebook de última geração, com todos os apetrechos, valendo uns 4 MIL REAIS em dezembro de 2007, trazido pelo mesmo Correio que hoje me dá "uma senhora rasteira", ao "não localizar" a FILMADORA me enviada por um amigo lá de Paris.

Mais pobres "de espírito" do que de verbas optamos por "encostar" o PC-maravilha, pois para se ter Internet com o aparelho era preciso instalar antena externa especial, alertando os vizinhos abelhudos sobre a existência de computador em nosso modesto casebre. A umidade e o Tempo, que tudo destrói, estragaram o notebook e, sem dinheiro para o conserto, eu o doei para um amigo blogueiro. Final da história: um "mexânico" condenou quase tudo nele, fez um orçamento de conserto milionário e o rapaz acabou deixando o valioso PC na "oficina" do sujeito. Jamais tive coragem de contar ao gaúcho KAIS MUSA esse vexame e sonho com o dia em que poderei ressarcí-lo, de alguma forma.

A Internet -- em Lanhouses despreparadas e nada modernas -- me permitiu fazer novos amigos, reencontrar virtualmente antigos (e esquecidos no Passado) e obter leitores para meus escritos.

A Internet me permitiu sobretudo SONHAR, planejar vôos, percorrer um caminho artístico quase impossível na vida real. Quando -- nessa Ananindeua que DETESTA Artes (e artistas) -- teria eu 30, 40 ou até 80 ouvintes para minhas músicas... ou 4.300 e tantos leitores para meus artigos, isso apenas no site RECANTO DAS LETRAS? Em que momento da vida receberia eu incentivo, aplausos e PARABÉNS por uma crônica bem escrita, uma poesia inspirada ?!

"Escrever não dá camisa a ninguém!", disse minha mãe, quase analfabeta. Pois tanto a filmadora quanto o notebook TOSHIBA, perto de 10 troféus literários e várias medalhas, além das colaborações em dinheiro -- através do site paraense EUPATROCINO em 2014, graças ao sr Paulo Matos -- foram fruto e resultado de meus textos. Mestre "GUARÁ", a 2 mil km de distância, não teria porque se preocupar comigo. O brasileiríssimo GUARACI -- nome oriundo do tupi "ig-coaraci", SOL NASCENTE (sobre as águas do rio?) -- tem muito do que se orgulhar, construiu quase sozinho uma história e seu Destino na gélida Paris.

Assim que nos descobriu -- eu e meu irmão "Leiteiro", que acompanhou o menino de 10 anos nas Rodas de Capoeira, no Rio dos anos 70 -- passou a nos presentear, sempre pelo mesmo CORREIOS que me "aprontou" agora essa desagradável falseta.

-- "MIL VEZES... Obrigado!", mestre "Guaraminfô". Insistir no pedido já seria abuso, me sinto extremamente honrado pelo seu presente, que chegou até meu coração, embora ainda não esteja em minhas mãos, passados hoje SETENTA DIAS do envio, desde Paris. Nesse caso, valeu mais a INTENÇÃO (que me emociona), como prêmio e troféu ao talento que sei que tenho, embora quase ninguém (ainda) o reconheça.

"O Sol há de brilhar mais uma vez... na história entre o Bem e o Mal", cantou magnificamente Clara Nunes, se não me falha a memória. Receba pois este singelo soneto como prova de GRATIDÃO ao seu nobre gesto. "Le jour de gloire est arrivent", mon ami!

CINCINATO P. AZEVEDO - (Ananindeua, 22/fevereiro2015

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NAS TEIAS DO DESTINO

Por mais modesto que seja o caminho

e por mais raros os dias de glória

há sempre mão amiga em nossa História...

ninguém percorre esta Vida sozinho !

Num momento da rota transitória

a ajuda vem, qual rosa sem espinhos,

nos fazendo esquecer dias mesquinhos,

saboreando o instante na memória.

Tecendo densas teias, o Destino

traz do Passado o "capoeira" menino

que, uma tarde, filmei com emoção.

Cruzando mares -- da distante França --

mestre "GUARÁ" renova a esperança

e torna eterna a minha gratidão !

"NATO" AZEVEDO -- 23/out. 2014

(*1) OBS: segundo meu irmão Renato, nossa "vovó" se chamava MARIA DA GLÓRIA !