SOBRE PRÍNCIPES E PRINCESAS.

A menina pobre de Feira de Santana teve um projeto selecionado pela Universidade de Harvard ente milhares de outros projetos no mundo. A moça de Lauro de Freitas que passou em primeiro lugar em medicina na USP. Uma senhora que Trabalha desde criança, se graduou já adulta e é profissional respeitada em sua área. O cara que morou em palafitas e hoje dá consultoria a grandes empresas, os pais que incutem na cabeça dos filhos que só se cresce pelo conhecimento. Que pra quem nasce pobre, estudar é a única saída...

Essa galera é barril. É tudo deles.

Tem outra galera que ouve música alienante fazendo pose de marginal embaixo do trio elétrico. “Tudo nosso, nada deles” repetem gingando com a guarda alta e vigiados pelos olhos eletrônicos e cassetetes da PM.

“Tudo nosso” o que? As balas da RONDESP? As desovas no CIA? As chacinas cotidianas?As abordagens humilhantes do Pelotão Águia? As humilhações matinais e ao meio dia nos bocões e uziel Bueno da vida?

“Nada deles” o que? Pois as praças embranquecidas dos shoppings, os cursos mais disputados das grandes universidades, as melhores colocações no mercado de trabalho, as ruas limpas, a coleta de lixo, bons filmes, bons livros, a viagem nas férias, o saneamento, a atenção do poder público. É tudo deles. Tudinho...

Eu desejava muito que a “favela” deixasse de sê-lo e virasse comunidade. Organizasse cursinhos, fundasse escolas e disputasse os melhores cargos e vagas nas universidades. Que imprimissem notas acima 850 no ENEM, tomassem de assalto as alvas salas dos cursos de medicina, direito, engenharia e arquitetura e saíssem zoando “Tudo nosso, nada deles!”

Não se trata de mudar o jeito das pessoas não. Barack Obama anda gingando como todos os negões do Bronx. Mas ele se graduou em Harvard, manda drones assassinar gente do outro lado do mundo e ainda posa de defensor do mundo livre. Ele é o negão mais barril do mundo.

Almas benevolentes e temerárias me escolheram para escrever e discursar na minha cerimônia de formatura. “O conhecimento forma príncipes” falei no que talvez tenha sido a única parte séria do discurso proferido na Reitoria da UFBA. Não foi uma frase de efeito, ainda creio nisso.

Para um ex-artista santamarense, viciado em mídia e que tem uma velha opinião formada sobre tudo, os príncipes são outros. São os que fazem apologia à mediocridade e incutem uma perspectiva alienante na juventude da “favela”. Para esse ex-artista é bacana que o jovem da favela tenha orgulho de ser de lá, desde que lá permaneça...

Para esse ex-artista, é príncipe quem canta isso.

Um pai estava mergulhando em 2010, no meio de Baia de Todos os Santos, sua filha ligou pro celular: “Pai, passei no CEFET! Eu broco rapaz!”.( O CEFET houvera sido o sonho de consumo não realizado do pai. Água salgada rolou no rosto dele e não foi água do mar...) Quatro anos mais tarde a moça liga pro trabalho do pai: “Pai, passei em engenharia da computação da UFBA! Eu sou barril rapaz!!!” fazendo o pai explodir numa orgulhosa gargalhada. Ela mora na periferia e diz que não tem pretensão de sair de lá. Ela se recusa peremptoriamente a alisar os cabelos e ostenta orgulhosa suas longas tranças. O pai brinca que ela será a primeira engenheira rastafári da Bahia. Ela é barril mesmo, dobrado...

O menino chamou o pai pra comer um pastel no boteco ( o pastel é desculpa pra bebermos Smirnoff Ice e cerveja). “Pai, saiu o resultado da UNIFACS” “E aí filho?” pergunta o pai ansioso. “Passei em 1º lugar em enfermagem e em 2º em fiosioterapia”... Desce mais uma Skol e uma Smirnoff!!! O pivete quer ser médico, é negão e não quer sair da periferia. Ele é barril também.

A menina de Lauro de Freitas, a de Feira de Santana, a senhora que limpava salas e se graduou já madura, o consultor que morou em palafitas, o pivete negão, a moça negra de longas tranças, gente que trabalha num turno e estuda “nos outros”, todos os pais responsáveis que dão horizontes claros aos filhos. Eu queria ver toda essa galera ser ovacionada em cima de um trio elétrico num sábado de carnaval em pleno Campo Grande, queria que as crianças chorassem e se inspirassem pelas suas histórias.

Eles são os verdadeiros príncipes e princesas, eles merecem ser entrevistados nos telejornais. É tudo deles. Eles são barril.

Nairson Luiz Santos
Enviado por Nairson Luiz Santos em 23/02/2015
Reeditado em 23/02/2015
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