O imperativo da escrita

A caneta esquecida na cabeceira da cama, cuja tinta há tempos secou, ou se esvaziou, revela o silêncio das palavras estabelecido no calar das letras. Onde está aquela inquietação que me impulsionava e me exigia a escrita? Onde se calou em mim o imperativo do ato de escrever? Acaso terei sucumbido às tantas exigências das obrigações cotidianas? Envolto em contas a pagar, tarefas da escola do garoto a corrigir, exigências do labor diário a cumprir?

Escrever para mim sempre foi como respirar, um segundo oxigênio que fazia minhas células funcionarem mais harmonicamente, meu coração bater mais compassado. E, com o passar dos anos, com o atropelo das obrigações do mundo adulto, a luta diária pela sobrevivência, as letras foram se tornando secundárias, foram esquecidas e jogadas no canto escuro do porão, junto com as coisas velhas e imprestáveis, os brinquedos da infância, a primeira bicicleta, os álbuns de fotografias em preto e branco.

Quero, preciso, voltar às letras. A escrita me exige de volta, gritando o imperativo de sua existência, a onipresença de sua divina construção, a perenidade de sua ação, que me forja, que me define, que me constrói e desconstrói nos personagens e situações que se desenham e nascem junto com o deslizar da caneta. Quem sou sem as letras? Onde estou sem a escrita?

Um autômato que some aos pouquinhos com o passar das horas, um mortal que se aproxima da inevitável hora do fim, uma peça enferrujada e envelhecida desta máquina preconcebida e que funciona à revelia e muito além de minha contribuição, que se chama civilização. Este sou eu. E as letras, a escrita, lançam-me em uma deliciosa ilusão de imortalidade, ou de afirmação de mim mesmo. Sei lá, talvez não seja nada disso. Apenas escrever, assim como apenas respirar, apenas comer, apenas saciar minha sede. Escrever, assim como viver. Apenas, imprescindivelmente apenas.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 02/03/2015
Código do texto: T5155972
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