O beijo

Há uma experiência indiscritível em beijar, em sentir lábios se tocando, línguas roçando em desvario e liberdade. Essa é uma experiência inesquecível para qualquer um que a tenha vivido e uma ânsia para quem não a viveu.

Sou da época que treinava-se beijo, sentiriamos o céu despencar na cabeça se não fossemos beijoqueiros competentes. Não tenho vergonha em confessar que tive uma professora de beijo e um receio enorme em beijar.

A professora foi uma menina de olhos castanhos e profundos, uma suavidade que encantava, uma voz leve, uma timidez que ocultava intensidades. Não que ela achasse que eu beijava mal, não por isso mas ela queria que eu beijasse do jeito dela o que me fez perceber, com um pouco de atraso que cada boca exige um beijo personalizado, não é uma regra geral e nem um ato desprezível.

E agora, minha vergonha em beijar era para não mostrar os dentes tortos que sempre tive, não corrigidos pela pouca tecnologia disponível na época e por um dentista que arrancou meus dentes de apoio. Notem: raramente estou sorrindo em alguma foto.

Mas não foi por isso que eu escrevi essa crônica. Estava vindo para o Telecentro quando vi um casal a se beijar. Desculpem o "vouyerismo" mas foi inevitável, a cena era bela demais. Os corpos colados sutilmente, a elevação do rosto da menina para acolher a boca de seu amado eram um poema de amor à vida.

Olhos cerrados para o mundo, nada mais, apenas ele. Nada havia que pudesse ofender as pessoas mal amadas em observações de censura que eu sabia estarem grassando em mentes distorcidas. Ali apenas havia amor, pronto!

Em que mundo vivemos? Será que o beijo tem mais poder de suscitar indignação do que a corrupção da capital da dita Res-Pública? Ou ainda: será que causaria mais inveja e menos admiração dos que milhões depositados em um banco? Vai saber, cada cabeça uma sentença.

A manhã fria convidava ao beijo e eles o faziam em digna liberdade. Que inveja! Ansiei também ter lábios para beijar, afeto para demonstrar, silêncio de intensidade incontrolável e forte.

Beijar, um ato tão simples e tão belo! Vê-lo, tão sutil e tão revolucionário à sua moda, encanta tanto quanto realizá-lo. O mundo seria bem melhor se os casais dedicassem meia hora de seu dia ao exercício do beijo público. Quem sabe, além de suscitar crônicas, suscitariam uma vida melhor.

André Vieira
Enviado por André Vieira em 06/06/2007
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