Tatuando o tempo

Num parque abraçados, sob o canto dos passarinhos, num banco pequeno se ajeitavam tentando encontrar a melhor posição, os braços se entrelaçavam e os olhares se cruzavam timidamente, um olhar para baixo e outro para o lado, um beijo em meio aos finos traços de sol que venciam as folhas! Um beijo que aos poucos se tornava viciante de tal forma que era impossível se desapegar, era impossível para as mãos se soltarem e o contato acabava como usualmente se acabava os encontros. Na sombra daquelas árvores de um parque, descobriam que duas almas podem sim se tornar uma só.

Andam separadas pelo mundo, vivem vidas opostas, perseguem caminhos diferentes, buscam correntezas contrárias, mas a íntima ligação estabelecida por elas num instante único, num entrelaçar perfeito do destino é impossível de ser desligada. Não se sabe se foi o vento, se foram as rajadas de sol, se foi a posição dos olhos, a posição das mãos, o jeito único do abraço, só se sabe que certos instantes nunca se apagam, se eternizam, pelo simples fato de terem acontecido. Se repetem no íntimo como um eco eterno buscando novamente se realizar. Se tornam quase um segredo divino que a ciência não explica, entretanto os corações sentem e o torna um dogma.

Aparentemente, depois daquele beijo, cada passo foi direcionado a um porquê. Por mais destoante e paradoxal que possam parecer as ações, se se pensar bem será possível perceber que a cada curva existe uma placa indicando e induzindo a um mesmo caminho, duas almas que caminham opostas, mas em busca uma da outra. São estranhos esses caminhos e essas curvas: não se pode prever onde será o ponto de chegada, não se prevê sequer se haverá uma chegada. Enquanto isso, se vê esse bailar indefinido da vida e dos amores. Daí nasce as grandes inconstâncias, daí nasceram as grandes poesias, daí nasceram as grandes saudades. Dores que não se explicam, distâncias que não são racionais, porém necessárias a essa evolução do amor e amadurecimento dos sentimentos.

O engraçado é que alguns outros amores podem até aparecer por essa longa estrada. Mas nunca nada será tão gostoso como aquela praça, aquelas árvores, aquele banco, aquele abraço, aquele beijo. Mesmo que esses substantivos não existam mais, ao fechar os olhos, sem se esforçar muito, aparece em cores bem vivas e em sensações bem reais, cada toque, cada arrepio, cada suspiro, cada vontade, cada falta de fôlego, cada pulsar mais forte do coração. Uma saudade que é mais real do que qualquer substantivo concreto e repleta de adjetivos bons que o dicionário ainda não catalogou, talvez por ainda não existirem, talvez por pertencer a um universo particular que possui sua própria língua, sua própria gramática.

Renato W Lima
Enviado por Renato W Lima em 10/03/2015
Reeditado em 14/03/2015
Código do texto: T5164972
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