Equívocos

Relações humanas parecem ser sempre pautadas pelo mal entendido, pela incompreensão, pelo equívoco e pela inacessibilidade do outro, seja este outro quem quer que seja: Esposa, namorada, filho, pais, amigo, etc.

Sempre tive a impressão que vivemos em ilhas distantes, isolados uns dos outros. Sempre me pareceu que cada individuo fala uma língua única e intraduzível e que, portanto, vivemos em uma grande Torre de Babel, cada qual berrando grunhidos incompreensíveis e alargando distâncias, a despeito dos esforços (que me parecem inúteis) em nos comunicarmos e nos fazermos acompanhar de outros humanos.

Esta perspectiva de isolamento causava-me, no passado, quando buscava me fazer entender, ou entender meus interlocutores, forte angústia e fazia-me flertar com o desespero, ao constatar, a cada equívoco dito ou escutado, cada palavra mal empregada, ou a cada impressão errônea produzida ou por mim percebida, o vazio ao meu lado. Via, a cada mal entendido explicitado na minha incapacidade de me fazer compreender, alargar-se a minha frente um fosso, um vácuo que me lançava em um profundo isolamento, em uma aterradora sensação de solidão.

Não desisti de existir. Existo (ou insisto) porque ainda, a despeito da constatação da inutilidade de meus esforços, não desisti da comunicação. Ainda falo, construo frases, emito sons que se assemelham a qualquer língua humana. Busco fazer-me compreendido a meu filho, a meus vizinhos, colegas de trabalho. Quero dizer, principalmente a meu garoto, o que é certo e o que errado, adverti-lo, consolá-lo, orientá-lo. Mas percebo, aqui e ali, em uma fala dele, que por muitas vezes não me faço entender, ou não o entendo. Aí olho para trás e parece que começo a entender porque nunca entendi meu pai e porque sempre tive a sensação de nunca tê-lo acessado.

Enfim, a solidão da incomunicabilidade parece ser uma condenação a que estamos todos fadados. É preciso serenidade para não nos desesperamos com a solidão. Às vezes, por precaução, é preciso fazer ouvidos de mercador ao alarido das ruas. Outras, rir das construções ininteligíveis da fala humana. Entretanto, a mais das vezes, em benefício de nossa própria saúde mental e do equilíbrio social, é mister cumprir bem nossa parte neste pacto do qual somos signatários, até sem nos darmos conta, que é a (ilusória) comunicação.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 13/03/2015
Reeditado em 14/03/2015
Código do texto: T5169153
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