MEU INUSITADO SONHO DE CONSUMO...

Acredito que todo ser humano cultive em seu consciente um sonho impossível de se realizar, alguma coisa material talvez difícil de conquistar com o fruto de seu trabalho e que, até por vergonha de expressá-lo, procura deixar guardado a sete chaves. Porém, como não faço parte desse todo, eu jamais esconderia de ninguém e muito menos de mim mesmo, a fantasia de poder algum dia possuir um espaço só meu em meio à natureza, semelhante, quem sabe, a uma espécie de chácara, afastada de tudo e de todos. A sua localização teria que ser, impreterivelmente, dentro dos limites da cidade de Queimadas (PB), onde eu gostaria de concretizar esta ideia.

Quem me dera ter a felicidade de um dia não precisar mais conviver ou ter que olhar para a cara de vizinhos, essa praga que, invariavelmente, incomoda até mesmo quando não faz nada. Esse é e será sempre o meu maior sonho de consumo, poder morar em um ambiente tranquilo, altamente sossegado, onde pudesse contemplar a natureza a todo o momento, e acordar todos os dias com o canto dos pássaros, respirando o oxigênio puro das árvores e flores que eu mesmo plantara.

A minha morada seria uma casa aparentemente simples, diga-se rústica, porém projetada com certo conforto, sendo quase toda construída em madeira e com grandes janelas em suas laterais – tipo um bangalô norte americano. Teria ainda uma lareira e uma chaminé, lembrando de longe aquelas casinhas de férias (chalés) do inverno europeu que vemos com frequência em filmes clássicos. Um firme alpendre onde eu pudesse armar uma rede nos dias mais quentes, sentindo a brisa suave emanada das folhas das árvores, na companhia de um bom livro. E sem esquecer também de planejar um porão ou um sótão, dependendo de como ficasse o projeto final da casa.

Não abriria mão de que ela fosse totalmente decorada com móveis antigos, da sala à cozinha. Inclusive, não poderia faltar um fogão à lenha em sua composição, bem como todos os seus apetrechos e utensílios, a exemplo de panelas de barro e colheres de pau. Não iria conservar nenhum aparelho eletrodoméstico dentro de casa, exceto uma antiga geladeira da década de 1950 e ainda uma velha vitrola na qual eu haveria de ouvir os meus LP’s de Raul Seixas. E também onde eu ouviria ao entardecer a velha canção Luar do Sertão, na voz do saudoso cantor Vicente Celestino, contemplando a beleza crepuscular dos verões paraibanos.

Ergueria essa minha “choupana” personalizada no centro de algum terreno nas proximidades de Queimadas, possivelmente na altura do posto rodoviário, antes da comunidade da Pedra do Sino. Algo em torno, talvez, de uns 5.000 metros quadrados, de preferência onde já tivessem plantadas algumas árvores bem frondosas. Pois entra aqui um outro sonho da minha juventude: Construir uma casinha no alto de uma árvore. Sim, isso mesmo! Daquelas casinhas que, por sua vez, vemos em filmes americanos, e que necessitam de uma escadinha do tipo escotilha para subir. Lá do alto (oito a dez metros do chão) eu teria uma vista bem ampla de toda a área em volta, e onde eu, finalmente, iria incentivar na fundação do meu sonhado clubinho da infância... mas claro, isso eu deixaria à parte dos meus sobrinhos mais novos em alguma visita que me fizessem. À noite, eu poderia aproveitar a instalação para contar estrelas a olho nu e fazer pedidos ao ver alguma estrela cadente.

Em volta da casa principal, eu plantaria dezenas de árvores frutíferas, como jaqueiras, mangueiras, pés de siriguela, caju, jambo, pitomba... assim como também cultivaria uma horta com uma infinidade de opções, várias qualidades de legumes, verduras e hortaliças. E para todos os lados que se pudesse olhar, haveria plantas ornamentais das mais diversas variedades e espécies, fossem elas cultivadas em jarros ou mesmo plantadas no chão. O meu carinho pelas plantas só pode ser comparado à minha vontade de criar alguns animais de estimação, um sonho que alimento desde a adolescência. Entre eles, os meus filhotes de Rottweiler e possivelmente, de algum felino.

Mas não me refiro a um gato qualquer, e sim, um felino exótico, algo semelhante a um leopardo ou mesmo um leão, o qual seria domesticado pra viver vigiadamente solto. Um animal cuja aquisição seria importado, como também licenciado pelos órgãos competentes. E, além disso, eu gostaria de conservar algumas espécies raras de aves, as quais seriam bem acomodadas em um enorme viveiro também licenciado, proporcionando- lhes todo o conforto possível. Teria do mesmo modo um belo pavão, com suas cores inconfundíveis, bem como um gavião da espécie Harpia, transformando de vez as dependências do terreno num pequeno zoológico. Dentro de casa eu manteria um grande aquário, todo decorado com paisagens submarinas, com peixinhos dourados ornamentando a minha sala.

E não poderia jamais faltar nesse projeto um laguinho artificial nos fundos da chácara, com um belo casal de cisnes e seus filhotinhos nadando em sua volta, onde eu iria construir uma fonte que seria permanentemente abastecida por um poço artesiano. E talvez eu construísse ainda um pequeno fosso ao lado, onde eu colocaria um casal de jacarés, outro sonho inusitado que acompanha o projeto dessa casa e todo o estilo natural de vida que eu passaria a ter. Difícil mesmo é imaginar que alguma mulher quisesse adotar comigo essa minha convivência hippie...

Eu não pensaria duas vezes em renunciar a qualquer tipo de vida em sociedade para isolar-me de vez do resto do mundo. Pois há muito cheguei à breve conclusão de que não resta mais nada “aproveitável” nessa realidade em que vivemos. A cada dia que se passa a humanidade está ficando mais egoísta, mesquinha e covarde. A falsidade e toda uma inversão de valores morais dominam agora em todos os sentidos. Ninguém consegue inspirar mais confiança, e por isso mesmo não vejo mais motivos pra acreditar que isso algum dia vai mudar, ou que valha a pena lutar por este mundo.

Apesar de tudo, continuo venerando a vida como ninguém, embora condenando esse sistema falho e maldito que corrompeu a humanidade. Gostaria de poder amanhecer todos os dias desejando um bom dia aos animais e às minhas plantas, onde eu tivesse apenas o sol por testemunha. Como diria Roberto Carlos, “Eu queria falar de alegria ao invés de tristeza, mas não sou capaz. Eu queria ser civilizado como os animais.”

Entretanto, por incrível que pareça, ainda gosto de cultivar certos rituais (nada no campo religioso), de propagar algumas tradições seculares e positivas, as quais estão deixando agora de existir pela simples ignorância de muitos. Como um patriota que sou, apesar dos pesares, queria poder aos domingos exercer o simples dever cívico de hastear a bandeira do Brasil e cantar o hino nacional com a mão junto ao peito, lamentando amargamente o que os políticos e suas leis fajutas fizeram com o nosso país no decorrer dos tempos. Talvez pudesse desfrutar desses momentos ao lado de alguns amigos verdadeiros, em reuniões alegres regadas à poesia, prosa e vinho.

Espero não morrer antes de concretizar este sonho...

Paulo Seixas, março/2015