HERANÇA DE VALOR

Ter filhos é uma dádiva que o Criador põe em nossas vidas com diversos objetivos, mas, principalmente, fazer com que nos tornemos pessoas mais dóceis e sensatas. E isso se tornar algo muito mais sensível quando sabemos da existência de impossibilidades fisiológicas que nos impedem de sermos férteis e perpetuar nossa linhagem.

É algo duro de engolir, uma carga pesada que se onera ainda mais pelo fato de sabermos que nossa linhagem se finda em nós mesmos; é como se toda a história de nossos pais, nossos avós e toda a ascendência que trazemos não apenas em nosso código genético, mas também em nossa alma.

Não é apenas uma lamentação torturante, uma sensação de castigo divino pendendo sobre sua cabeça. É, principalmente, a dolorosa constatação de um fracasso imperdoável que tolhe nossa mente e açoita nosso coração. Sem filhos, o casamento perde a razão de ser e a vida fica cinza.

Veja, não estou dizendo que um casal não possa perdurar com a impossibilidade de gerar prole. Isso não é verdade, inclusive pelo fato de que há casais que optam por uma vida conjugal destituída de crianças, preferindo um eterno idílio amoroso, uma adoção, ou ainda, a aquisição de animais de estimação … tudo para substituir a altura uma opção consciente de não reproduzir, muito menos perpetuar.

No entanto, é preciso ressaltar que filhos são uma alegria inexplicável; uma graça divina tocada pela singeleza e pela pureza de um sentimento amoroso muito mais elevado. É como se pudéssemos observar a vida através de um espelho. Aproveitarmos o melhor da infância e da adolescência como uma fita de cinema, onde os acontecimentos, frenéticos e, as vezes, insólitos, correm ante nossos olhos, é uma oportunidade única e inegavelmente preciosa de olharmos o mundo e nossa própria existência como algo que tenha, de fato, valido a pena.

Ao largo do sofrimento, da tristeza e da enorme preocupação com nossa linhagem, tê-los ao nosso lado ao longo da vida, observando e sendo por eles observados, constitui uma obra cuja beleza não pode ser descrita com palavras. Tenho a convicção de que, quando olhamos para nossos filhos, vemos mais que nossa herança orgulhosa e impoluta; vemos indivíduos que cresceram e de desenvolveram graças ao nosso desvelo, nossa dedicação e, especialmente, nossa renúncia que se expressa pela conduta de criá-los para o mundo, pessoas integras, honestas, batalhadoras e convictas de seus ideais.

Tenho, dentro de mim, a plena certeza de que perpetuar a linhagem é algo mais que uma sucessão consanguínea que assegure a história de uma família. Quando se tem filhos, tem-se nas mãos pequeninas pedras preciosas que carecem de cuidado, de burilamento, de dedicação e também de amor … o mesmo amor que o Criador Divino nos deu quando fez com que sua minúscula centelha, aquecesse o barro que nos dá origem.

Creio que a frase abaixo, sintetiza de uma forma sutil aquilo que almejamos enquanto pais e aquilo que desejamos aos nossos filhos.

"Nada lhe posso dar que já não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo" (Hermann Hesse).