Viva O Lugar!

Dia desse, acho até que foi ontem, você disse algo interessante... que me pareceu um pouco equivocado, mas mesmo assim, interessante. Era algo como "não há coisa melhor que ouvir o 'seu falar'", o jeito, o sotaque, as gírias, as expressões, que você "só" ouve na terra em que nasceu. Várias dessas gírias e expressões, que você conhece tão bem, sobre as quais, diz que, se debruçou a pesquisar profundamente e eu, que nunca pesquisei nada a respeito, conheço desde piá/curumim/moleque, quer dizer... e você sabe, nem nascemos na mesma região, que dirá lugar!

Ontem mesmo, só que à noite, estava assistindo a um programa, que, infelizmente, peguei no finalzinho. Um rapaz, que saiu do seu país, para morar em um outro, um desses paraísos tropicais, do oceano Pacífico, ou do Caribe, enfim, pouco importa, era um belo lugar, e ele estava sendo entrevistado. E disse algo que também achei interessante. Me identifiquei muito com o que foi dito! Ele estava comentando sobre outros que foram pr'aquele mesmo paraíso tropical e lá construíram suas casas, mas, segundo ele, continuavam sendo meros turistas. Acho que compreendi bem o que ele disse, logo em seguida: "você não deve querer viver NO lugar, mas sim querer viver O lugar!"

Sei o que dizem, meu padrasto também dizia muito isso: "com dinheiro, se vive bem em qualquer lugar"... sim, não discordo totalmente dessa assertiva, tendo-se dinheiro, quer dizer, uma boa quantidade, pra garantir o conforto e segurança, onde quer que seja, se vive bem até no frio do inverno na Groenlândia. Mas eu não quero viver bem na Groenlândia, nem no verão, que dirá no inverno!

Ok, você quer viver em Campinas, em Florianópolis, em Miami, em Paris, em Brasília, eu entendi, mas veja, você vai pensando em viver NO lugar, porque, enfim, por vários motivos, que não vou ficar elencando aqui, mas vai continuar sendo do lugar que você vivia, apenas sendo "eterno(a) turista" do lugar EM QUE decidiu viver, é seu sonho de consumo, etc.

"Ok, mas como você entendeu aquele cara, provavelmente saído de um país rico do Ocidente, pra viver do outro lado do mundo?" É simples, quando saí daqui, fui para o Norte, para a Metrópole da Amazônia, digamos que minha experiência, como turista, foi bem curta. Me entranhei no lugar, me deixei entranhar pelo lugar, fundi o meu 'jeito de falar' ao jeito dos que circulavam a minha volta, queimei minha pele ao sol até ficar com a sua cor, comi o jaraqui, pois, quem come desse peixe, "nunca mais sai daqui(daí!)"... tenho síndromes de abstinência de tucumã, de cupuaçu e guaraná Baré. Eu compreendi o que aquele rapaz disse, porque foi o que vivenciei, o que quero voltar a vivenciar, voltei para onde nasci, voltei pra casa, mas não voltei ao lar, pelo contrário, saí. Sinto saudades, meus ouvidos se apuram, quando ouço um falar, no mínimo, parecido com o de lá, ouço certas músicas e quase choro... e nem são pra tanto. Vivi o lugar, continuo vivendo, me interessam as notícias que me vêm de lá, quero saber de tudo. Você pode, e volta, uma vez por ano, lá onde você diz querer ficar. Mas você não vive lá. Talvez não me compreenda, mas não se culpe, é que não é só questão de linguística, é algo mais holístico; é minha língua, meu espírito, meu ser, meu estar!

Ayrton Mortimer
Enviado por Ayrton Mortimer em 30/03/2015
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