PERSUASÃO

Bastava ouvir o anúncio e o ambiente aromatizava-se. Induzida, a consumidora mergulhou de mãos juntas nas gôndolas do mercado em busca da aura perfulgente que lhe anunciaram.

A formação de um estoque razoável do famoso sabonete conferiu segurança e prazer. Mas, passado algum tempo, a consumidora observou um contraste entre os reclames e o objeto real. Notou que apenas o envoltório guardava uma porção das flagrâncias sugeridas. O sabonete continha um óleo que lhe causava alergia e era neutro a olfação.

Iludida, protestou. O assunto foi longe... Vieram-lhe explicações do fabricante. Quanto a rejeição, uma lástima, incluía-se a consumidora, para sua infelicidade, no âmbito restrito das pessoas impossibilitadas de usar o produto. Agora, sobre a inativa olência, que desculpasse a autora do protesto, certamente não só alérgica, mas também carente do olfato.

Provocada, a cliente tratou de defender seu nariz. O sabonete é que não prestava e ponto final! Entretanto, a discussão não foi encerrada. Logo veio a tréplica do fabricante, sugerindo que ela se detivesse nos recentes anúncios publicitários. As técnicas corporais e a dicção persuasiva de renomadas personalidades do cinema e da tevê não deixavam dúvidas sobre o composto perfumado. Para arrematar, havia o diagrama das vendas, comprovando um amplo favoritismo do produto.

Por fim, a reclamante acomodou-se. Tratou de refletir sobre os sentidos minoritários, sobre a história da essência intangível e do fenômeno perceptivo. O mundo era uma gaiola de impressões, povoada de impróprios eufemismos que encobriam a realidade.

Restava concluir que o artigo, amplamente distinguido, era mesmo incomparável. A ficção preenchia integralmente a imaginação e formava um complemento irreal do produto, cuja embalagem, macia e colorida, estampava paisagens bucólicas e o traslado de mulheres elegantes.

A visualização autêntica era sempre uma tarefa difícil. Técnicas da sugestibilidade sempre idealizariam os mais apurados acabamentos para embrulhar o mundo real.