TIQUES, TOCS E MANIAS

“Olhando de perto, ninguém é normal”, frase imortal de Machado de Assis, que a concebeu numa manhã ensolarada de domingo, ao perceber que o leiteiro que lhe batia à porta tinha o estranho costume de roer as unhas e piscar o olho esquerdo sem parar, ato que considerou extravagante o suficiente para tê-lo como louco. Machado tinha a mania de reparar detalhadamente os olhares das pessoas, até encontrou uma mulher que tinha os olhos de ressaca, que transferiu para Capitu. Os trejeitos do leiteiro, recebeu incorporado por Simão Bacamarte, carismático personagem do conto O alienista. Simão enxergava loucura nas mínimas atitudes humanas. Eu, certamente, seria por ele internado no manicômio Casa Verde. Confesso sem nenhum pudor algumas de minhas ações que alarmariam Simão Bacamarte. Por exemplo, tenho a mania de inventar cenas inexistentes, como essa do Machado de Assis com o leiteiro, que nunca aconteceu, mas delineei com tantos detalhes, que a transformei em realidade na minha mente, assim como fiz naquela vez, ainda criança, quando invoquei que a menina loira sentada na carteira da frente da sala de aula, que mascava chiclete de hortelã, era uma personagem do filme Grease. Na calçada do canteiro central da Afonso Pena caminho contando os ladrilhos. Imagino que do primeiro ao último, contarei vinte e sete. Erro quase sempre. O que seria isso? Mania, tique nervoso ou transtorno obsessivo compulsivo? Outra estranheza: Verifico várias vezes, todas as noites, se os vidros da janela estão trancados. Isso é TOC? Não sei. Muitas vezes, sem que eu perceba, meus dedos se transformam em jogadores de futebol, atacantes velozes fazendo gols e comemorando efusivamente. Isso é mania? Não faço a mínima ideia. E aquele ato disforme de olhar para pessoas estranhas e imaginar-lhe o passado e o futuro, quem foi, quem é, quem será, tudo numa fração de segundos, nos quais mantenho os olhos cediços sem piscar. Pura mania? Talvez. Carrego outras esquisitices, como falar sozinho e rir ao me recordar de algo engraçado, mesmo fora de lugar, que faço numa impressionante regularidade. Por conta disso, evito ir a velórios. Algumas outras atitudes que tenho aceleram minhas estranhezas, como a sensação que meus óculos estão sempre embaçados. O mais estranho é quando percebo que os óculos das outras pessoas também estão embaçados. Meus amigos que usam óculos já não estranham quando lhes tomo o objeto pelas mãos e vou limpando sem lhes dar chances para gritas. E fico me perguntando se Machado tinha razão, se de fato, ninguém é normal. Como resposta, um senhor passa por mim de óculos embaçados, olhando em volta com a dificuldade de quem tem sempre o sol pela frente, embora já passe das sete da noite, franzindo a testa, se esforçando para enxergar. Só eu reparo, ninguém estranha. E quem haveria de estranhar coisas tão sem pés nem cabeça? Dou de ombros e volto a jogar futebol imaginário com meus dedos.