A Dona da História.

A mulher tinha cheiro de papel de cartas. Aqueles que apesar do nome, ninguém escrevia nada em cima deles. Eu fiquei sem graça de virar meu rosto e encará-la quando ela se sentou ao meu lado no ônibus, mas por baixo do óculos eu tentava mirar alguma imagem. E olhando-a de perfil, eu percebia que sobre ela, muito havia para ler. Duas linhas tracejando as laterais dos lábios me indicavam que ela sorria muito. Outras, perto dos olhos, indicavam que também já havia chorado o mesmo tanto. Estiquei meu olhar para suas mãos postas sobre as pernas, e percebi a falta de uma aliança: no anelar esquerdo a marca de onde, até então, o sol não havia queimado. Notei que apesar do outono que tem amenizado a quentura dos dias por aqui, ela trazia os pés livres, postos em um calçado aberto. Usava um casaco de corte elegante, e cheio de flores. Como as dos papéis de cartas. No pescoço, uma gargantilha discreta e um pingente de coração. Poucas coisas há para se fazer dentro de um ônibus e por isso confesso que viajei por alguns instantes ao tentar imaginar o que ela já teria caminhado até ali. Por quanto tempo manteve os pés presos e o coração escondido? Eu não sei. Mas o cheiro de papel de cartas só me confirmava que aquela mulher estava se reescrevendo e se reabrindo para novas histórias. Seu casaco florido e as marcas do seu rosto estava dizendo um gigantesco SIM para aquela tarde de outono.

*Textos de Quinta - Para fugir da responsabilidade.

Um a cada quinta. Não é promessa, é desejo =)

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 09/04/2015
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