FLORES no Balaio. POLÍTICA nas Panelas

Anália nasceu no ano do AI-I (Ato Institucional I), mesmo não tendo vocação para a política, convivera pau a pau, tête a tête, botando a cara para bater nos movimentos políticos e sociais da época, os quais prenunciavam mãos de ferro na governança nos anos vindouros.

Sua família sobrevivia com as parcas economias que às duras penas arrancava da terra. Se virando, mexendo e remexendo, um dos meios era o corte de cana e o bater da obediente enxada contra a terra, que não dava moleza e não se rendia a rogos. A quentura do sol marcava a região d´onde a menina e os pais cavucavam a terra, deixando-a rachada feito o emaranhado dos intestinos humanos e através dos visíveis sinais, estudar o DNA do solo, do povo e a dor no semblante de cada vivente. Salpicar o solo e removê-lo sem derramar uma lágrima, era motivo de honra para aquele povo.

- Ô diabo de lugar! Por que uns nascem permeados pelo belo e riquezas infindas e outros tem que nascer desdentados, calças no meio das canelas, malhando a enxada que é pior que malhar ferro a frio, um lugar desses? Que sina essa nossa, viu! Vai chegar uma hora que num vai nascer nem gente aqui nestas terras!

- Fica assim não painho! Vamos orar que um dia as coisas miora.

- Nem com reza braba miora essa vida marcada pela enxada, minha fia!

E assim que escorreram pelas coxas abaixo os primeiros pingos de sangue derivados da menarca, imitando o acontecimento biológico, Anália desceu as ribanceiras da penúria, indo aportar-se numa cidade em que o leão faminto ruge com os dentes arreganhados e ninguém ouve. Feito certas crenças indígenas, acreditava que os pingos de sangue que desciam mensalmente a fazia moça refeita, e assim podia desfrutar da maioridade, pelo menos moral; porque em questão de trabalho, as mãos estavam calejadas e os pés cascudos. Depois de anos, escreveu uma carta para os seus pais. Nela relatava parte de sua vivência e passagem em terras distantes:

- Toda piora que houver, será pequena em relação às agruras por que passei. Aí o sol existe, mas não brilha para qualquer um e quando brilha, tosta o couro do sujeito. Vira um torresmo curtido. Desculpe-me painho, mas foi obrigada a fazer o que fiz. Diga para mainha que estou bem, trabalhando (num é em cabaré, como ela me praguejava) com o pessoal do sindicato das domésticas, bares e similares. Classe que defendo com unhas e dentes. Se aí o problema é a falta de esperança desse povo sofrido, aqui são os empregados dessas classes que trabalham como escravos de sol a sol, queimando o umbigo sob as chamas do fogão para fazer comida, lanches, pães e coisas afins, para os senhores que desconhecem e não querem saber das fraquezas desse povo sofrido, que naturalmente a maioria é do nosso sertão querido. Pois é painho, para quem diz que nossa gente é terra de orelha seca, “alimentar com suas mãos o senhorio”, esse é o lema do nosso povo. Embora que uma coisa é certa, enquanto aí o painho derramava o suor no cabo da enxada para alimentar a prole, aqui o meu suor é sugado por outrem. Com isto, aprendi que o homem é o mesmo em qualquer lugar. Mudando de Mané para bazé, palavra que se fala bastante por aqui, porque dizem que somos bazé mesmos, fala para mainha que estou estudando. Pretendo formar. Estou pleiteando uma nomeação no sindicato e com ela, pretendo fazer movimentos em indústrias e fábricas, propor melhorias e leis que assegurem ao trabalhador os seus direitos e a forma de por em prática tudo isto, é fiscalizando de perto, aplicando-as. Ainda há esperança e podemos recuperar parte do sangue derramado por todos nós; e obviamente painho, incluo o sinhô e mainha. Com o lema: “A luta continua companheiros”, encerro pedindo a sua benção e da mainha também. A estrela vermelha logo-logo vai rutilar por todos nós. Mais uma coisa: faça a corrente da esperança com as pessoas daí; fale de mim, de minhas expectativas para todos nós. Novos tempos nos esperam; afinal, “Brasil: um país de todos”. Tá me entendendo painho? Vamos emborcar essa mesa de pé para cima. O carteado que se joga em cima dela está saturado e manjado a tempos; precisando de mudanças.

Muitos anos se passaram. Anália se profissionalizou nos meios reacionários contra o sistema vigente, tornou-se presidente do sindicato, juntamente com os correligionários usavam roupas compradas em brechó e saíam pela noite virando litros e mais litros de vodka e vinho, fumando o cigarrinho do capeta, dando pontapé em rabos de gato, questionando as mazelas do país, indignando-se com os problemas sociais de modo geral e para realizar as teorias Marxistas, propunham e manipulavam paralisações, piquetes, greves e para solidificar ainda mais o sentimento político dos partidários de partido, adotaram a cor vermelha na bandeira e criaram o slogan: “Anália, mulher de fibra, revolucionária”. E para confirmar sua hegemonia, exigiram a candidatura da mentora e fundadora do movimento para Presidente.

Vida nada fácil. Por duas eleições consecutivas perdeu, virando chacota nacional na boca da oposição: “Como ganhar a eleição, se o vice Bizol na bola e colocou Anália na marca do pênalti, chutando-a para fora”? Isto enfurecia a candidata, fazendo com que retrocedesse no tempo, a ponto de pedir o apoio do Sindicato das Domésticas, Bares, comércios e similares e do Sindicato dos Tecedores de Balaio. Apoiado pelos Sindicatos, conseguiu tecer os balaios e as panelas da política, mudando sua postura radical, por uma neo-liberal, como ela mesma dizia: “Sou Anália, paz e amor. Nada revolucionária”. Terminava a apuração de uma eleição e Anália mexia os balaios e panelas, com a finalidade de angariar prestígio e um número maior de adeptos, o que aumentaria as chances dela ganhar nas próximas eleições.

Passado mais duas eleições. Água mole, pedra dura. Aconteceu virou manchete, e o mundo conheceu a mulher que viera fugida de suas Terras em pau de arara, se instalou em outras e depois de muita luta e determinação, chegou lá.

- Sou Brasileira e não desisto nunca. Agora o Brasil pertencerá ao meu povo e bebera água em copos de vidro e terá carne em abundância no prato todos os dias. A estrela de Anália paz, amor e revolucionária brilhou. Promessa cumprida painho; agora faço parte da história da política do país.

No primeiro, de uma série de voos que fizera para exterior, finalizara uma das cartas escritas para a família com parágrafo acima. E na história e polític(A)nália escreveu seu nome como Presidente do país. Se malhou enxada onde nasceu, sua terra natal após a saída do poder!? Essa é a dúvida? Nunca mais. Traiu até suas raízes e origens. Está morando na Suíça, segundo ela fica mais fácil administrar o dinheiro que mandava para lá, quando estava no poder.

A mesmice política faz tolos e apodera-se dos iguais. É a mínima dosagem de humilhação diária sugerida pelos médicos homeopatas da relação humana. Indiscriminadamente participam do lema: tolice mesmo que tardia. Anália teve a oportunidade e apoio popular para ser Rainha, porque até tapete vermelho estenderam para ela, mas o néctar do poder transformou-a em cicuta; na traidora do movimento, todavia, permanece Flor majestosa do serrado sobre a Escória e rainha sobre a mina de ouro da Sucata.

- Mas a culpa não é minha, pois não se deve alimentar porcos com pétalas de rosas e adoçar a vida do diabético com mel puro de laranjeira in-natura. - últimas palavras de Anália no momento da entrega da faixa.

Bom dia!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 13/04/2015
Reeditado em 20/04/2015
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