Vira homem, moleque!

O BuzzFeed fez uma lista de frases que, de acordo com educadoras, devem parar de ser ditas aos meninos pois são frases que reforçam o machismo e a homofobia. São 12 frases com bordões masculinistas clássicos, aqueles que todo mundo já ouviu ou disse pelo menos uma vez na vida, como "Engole o choro", "Para com isso, parece mulherzinha", ou ainda "Para de ser fresco e faz o que tem que fazer".

Contudo, apesar de bem intencionada, necessária e precisa, a lista acaba gerando um desses micro-episódios virtuais que são desanimadores.

O triste da lista começa com a necessidade de legitimação: para fazer o leitor acreditar que tais frases realmente são machistas e homofóbicas é preciso dizer que são as educadoras – leia-se, pessoas diplomadas que estudaram e portanto sabem o que dizem – que estão dizendo que são machistas e homofóbicas.

Num mundo ideal e perfeito, ou minimamente consciente da diversidade, não seria preciso nenhum tipo de legitimação para saber que apontar o dedo para um menino de sete anos e dizer "Menino não chora" é algo nocivo àquele menino – e às meninas e a quem não cabe nos rótulos polares de menino e menina. Mas como o mundo tá longe de qualquer ideal, perfeição, ou mínima consciência da diversidade, seguimos com legitimações.

Mas a legitimação não basta, e a tristeza que a lista sem querer revela continua aumentando. E o que era para ser uma oportunidade para que as pessoas refletissem sobre seus comportamentos viciados, aqueles que foram herdados sem nunca se perguntar o porque (e muito menos admitir, assim, só de leve, que existem outras possibilidades), se torna uma oportunidade para reafirmar justamente o que a lista se propõe a contestar.

Ou seja, muitas pessoas reagiram à lista reafirmando a necessidade de dizer tudo aquilo aos meninos.

E aí surgiram aqueles comentários de homens, que hoje, adultos, lembram com nostalgia viril os tempos em que os pais "realmente" exigiam que seus filhos fossem "homens de verdade", um tempo em que ninguém tentava transformar a sociedade numa horda "unissex", em que cada pessoa tinha seu papel "saudavelmente estabelecido", que ninguém tentava nos ensinar que o certo é criar o filho como um "banana", que graças à severidade com que foi criado hoje é um "homem de valores", que teve uma infância boa num tempo em que não havia esse "coitadismo moralista", e por aí prossegue.

O pequeno fenômeno que esta lista causa espanta, pois, pela dificuldade, e reatividade agressiva, que as pessoas mostram ao serem apresentadas a caminhos alternativos (e que nem são tão alternativos assim já que ninguém contestou a heterossexualidade). E espanta também por revelar como as pessoas adoram repetir padrões de um passado idealizado.

Gostaria que esses homens todos (e também algumas mulheres que surfam nas ondas daquela nostalgia viril) entendessem que aquelas frases todas são perversas em pelo menos dois sentidos.

O primeiro é que são todas baseadas em normas e padrões. E, céus, padrões e normas não são um saco? Você gosta de escrever seu trabalho da faculdade nas normas da ABNT? Você aprova o novo padrão das tomadas brasileiras? Você gosta de ter de se vestir assim-assado porque é como as pessoas têm que se vestir no seu trabalho? Então por que diabos alguém pensa que vai ser divertido ter um padrão e norma sobre nosso gênero, sobre algo que temos entranhado em nós a todo segundo do nosso dia?

Restringir o comportamento masculino por ser (muito supostamente) coisa de fresco, coisa de mulherzinha ou coisa de covarde, é botar uma corda no que não precisa ter cordas. E falando em cordas, dizer para um menino "Você tem que ser forte, já é o homem da casa", é só a ponta da corda da frustração na vida deste mesmo menino, que um dia, cedo ou tarde, verá que nunca chegou a ser o homem da casa pois esse homem não existe – não em nossos cotidianos, nessa vida real, nesse mundo de novos e merecidos direitos e protagonistas, nessa carne que tem emoções e desejos e intrincados caminhos ligando essas duas coisas.

Você, homem, não “tem que” nada, ok?

O segundo sentido perverso daquelas frases é que para elevar o homem elas diminuem os não-homens (estes no sentido mais amplo do termo). E fazem isso muito diretamente.

A construção frasal é simples: bom > homem versus ruim > menina/mulherzinha/covarde/fresco. E a lógica é evidente: o homem tá do lado bom da equação, e você, pequeno homem, não deixe nunca de estar nesse lado bom!

Isso obviamente é danoso para os próprios homens, que são segregados numa variada hierarquia baseada naqueles valores tradicionais, onde chorar quando o Marley morre no final já é motivo para te colocar uns degraus abaixo pois chorar por cachorros é coisa de menina/mulherzinha/covarde/fresco.

Mas isso é, e talvez não tão obviamente assim, danoso também para aquele grande grupo de não-homens, que além de já negativizados de partida (o lado ruim da equação) são furtados de qualquer possibilidade de passarem ao (muito supostamente) lado bom da coisa... e ai daqueles que tentam passar!

Quando uma mulher ousa sair do seu esperado papel de figura meramente sexual, e portanto tem atitude, coragem, é perseverante, é líder, age com decisão, contesta e enfrenta o mundo à sua volta, se porta com total autonomia, e, enfim, acumula vários outros adjetivos e atributos que o tal homem de verdade deve ter, não raro surgem os piores comentários: "é mal comida", "falta de homem dá nisso aí", "é machona mesmo", "acho que é sapatão", e tantas outras baboseiras.

Dizer ao menino "Isso é coisa de menina" é cultivar o homem que anos mais tarde não vai admitir que meninas façam coisas de menino, que não vai admitir estar em igualdade com elas, e que quando isso acontecer vão reagir invocando rótulos e depreciações. E não muito longe disso estão as estatísticas do preconceitos e desigualdades que as mulheres enfrentam no ambiente do trabalho, onde ganhar o mesmo que os homens e ter deles o respeito é um desafio diário.

A lista do BuzzFeed, mesmo sendo só uma lista do BuzzFeed, revela as dificuldades de se pensar as mudanças mais sutis no nosso dia a dia e no modo como lidamos com nossos gêneros. Revela que o machismo e a homofobia estão tão entranhados em nós que mesmo tentativas de combate são (re)apropriadas para reforçar o machismo e a homofobia. "Vira homem, moleque", dizem por aí, e a reação de algumas não-poucas pessoas à lista do BuzzFeed indica que ainda temos muitas razões para nos preocupar com esse homem que está por vir.