DIREITO DE CIDADANIA E DE SAFADEZA

DIREITO DE CIDADANIA E DE SAFADEZA

Foi em 1955 que eu usei pela primeira vez o meu direito de cidadania, votando pra tudo quanto é posto político de uma só vez, pois naquele tempo as eleições eram unificadas. Toda a corriola das três esferas de governo era substituída numa tacada só do povão.

Em quem eu votei? Ah, nem me lembro mais. Só sei que o Presidente eleito foi Juscelino Kutitschek. Se não me engano, pra Governador do nosso Estado foi eleito Jorge Lacerda. Ah, foi ele sim. Ele esteve em campanha até lá no seminário uns meses antes das eleições, e numa fala muito chorosa diante da turma inteira reunida na sala de estudo pra ouvi-lo, ele concluiu pedindo encarecidamente: “...lembrem-se deste peregrino que um dia passou por aqui”.

O choro deve ter adiantado, pois o peregrino se elegeu.

No dia das eleições a turma dos eleitores se mandou cedo a pé, camelando os cinco ou seis quilômetros, pra ir votar na cidade.

— Como é, tu não vais, Pedro? — perguntou-me um do grupo, vendo que eu não me decidia.

— Eu não! A pé eu não vou lá. Quem quiser o meu voto que venha cá buscar.

— Espera sentado, que em pé cansa — duvidaram alguns.

— Pois sabe que é desaforo mesmo — concordou um dos colegas e ficou comigo.

E nos sentamos pacientemente nos degraus da capela, à espera da condução. Nisso saiu lá de trás a caminhonete do seminário, levando os padres pro mesmo destino – as urnas. Ao ver-nos ali sentados o motorista parou.

— Sim, vocês dois aí não foram por quê? — perguntou um dos padres.

— A pé não vamos. Não mesmo. Podem dizer lá, pra quem quiserem, que o nosso voto é de quem vier buscar-nos e trazer-nos de volta — menti decididamente por mim e pelo colega.

— Esses aí de bobos só têm a cara — foi o comentário que ouvimos de um dos padres.

Não demorou mais que vinte minutos, um baita carro de passeio estacionou bem à nossa frente, e o caroneiro foi logo perguntando se éramos nós os eleitores que esperavam condução.

— Viu só!? Eu não falei?... — disse eu ao colega, cutucando-lhe as costelas com o cotovelo.

Olhamo-nos com um sorriso maroto e fomos os dois, bancando os grã-finos, cumprir nossa obrigação cívica. Durante o trajeto o fulano foi dizendo os nomes em quem devíamos votar, com o que nós concordávamos plenamente, mas nossos votos já estavam mais que decididos.

Já quase na cidade alcançamos a turma que tinha ido a pé. Alguns deles nos reconheceram e se morderam de inveja. Votamos rapidinho e voltamos no mesmo carrão.

Convite: Se você gostou desta minha crônica, do meu estilo de narração, leia as anteriores, mas em ordem cronológica, começando pelas primeiras que foram postadas.

PACorrêa
Enviado por PACorrêa em 20/04/2015
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