Pergunta intempestiva

O professor discorria quando a mocinha da segunda carteira assim do nada perguntou:

- Professor, você é doutor?

O mestre não titubeou:

- Não, querida, sou professor. Doutor é médico, advogado, dentista...

A menina não se satisfez:

- Você sabe o que quero dizer. Você é doutor?

O professor, então, fala sério:

- Não, filhinha, não tenho o título de doutor. Sou professor e olhe lá... Já está tão bom... Não lhe ensino coisas úteis? Não lhe instigo a curiosidade e a vontade de aprender?

A menina se calou, mas pareceu-lhe que ela ia responder afirmativamente.

Depois, passada a aula, flagramos o mestre refletindo. Pareceu-lhe que a menina o queria doutor... Mas ele não sentiu nenhuma tristeza, nenhuma frustração por não poder dizer-lhe sim...

Menino de periferia, estudando sempre com bolsas, o professor Artur não tinha conseguido frequentar escolas públicas de renome, sempre muito concorridas, e completara os estudos médios em colégios particulares, trabalhando para custeá-los. Doutor? Eu? Seu sonho fora graduar-se para ensinar crianças e jovens, nada mais...

Um dia, sob aplausos emocionados dos pais, conquistou o direito de lecionar. A licenciatura. Com ela vinha ganhando a vida. Tinha seus livros prediletos, que ele os lia e relia, repetindo-os e ajudando a formar aqueles que um dia seriam doutores. Com aquela licença ia modestamente criando a família.

Doutor? Eu? Achava o título tão pomposo, tão nobre, mas não se imaginara sob tamanha honraria acadêmica. Era professor, ou melhor, licenciado... Tinha uma licença e ensinava, não queria tanto prestígio assim.

Artur se lembrou de Tancredo Neves. Quando o presidente, que não tomou posse, estava gravemente enfermo, os boletins médicos eram assinados por um professor doutor. Uma pompa acadêmica exibida nacionalmente... O presidente estava em boas mãos. Quis Deus que ele não governasse!

Não estaria a sua aluninha em boas mãos? Por que Carlinha o queria doutor? Talvez porque muitos outros professores, bem mais jovens, detinham aquele título e o apresentavam como sua marca e isso lhe despertou a curiosidade. Talvez porque, na última conferência na escola, a plateia durante quase dez minutos ficou a ouvir o curriculum do conferencista do qual constavam dois vistosos doutorados... E ele? Licenciado... É possível que a menina se entristecesse com aquela formação desmilinguida de quem iria assinar parte de sua aprovação... Seria isso? Teria ela amadurecimento para tanto?

Lembrou-se de muitos de seus mestres. Alguns fundadores da universidade local. Nenhum deles detinha aquele belo título, que ele admirava, mas não cobiçava. Ensinar era uma arte e ele achava que a desempenhava bem. Lamentava era contrariar Carlinha...

No final do ano a turma escreveu um livro, uma coletânea de poemas; houve noite de autógrafos e os alunos leram seus textos. Carlinha, em versos criativos, escreveu sobre o professor Artur e sua trajetória. Ela gostava muito das aulas e ficava feliz quando ele viajava pela nossa história com doutoridade... Uma autoridade de doutor! Artur, muito honrado, enfim, entendeu-lhe a intempestiva pergunta.