Quando a modelo é uma vaca

Inexplicável a princípio era a algazarra que tanto se ouvia naquele pequeno espaço lotado por homens eufóricos e animais esgotados. Comemoravam algo. Aliás, alguns comemoravam, enquanto outros iam saindo aos poucos cabisbaixos pela derrota. A ocasião era de competição. Homens do sertão que vinham para a cidade de Milhã – a qual chamavam “Terra do Leite” –, para expor em praça pública, no centro da cidade, suas vacas, prováveis concorrentes tanto no quesito beleza, quanto em sua eficiência em produzir leite. Sim, beleza e produtividade.

Posso ir além e definir tal momento como Concurso Miss Cow. Esse evento vem sendo realizado desde que a cidade foi emancipada, representando a maior fonte de renda da população. Populares já acostumados o veem como parte indispensável nas festas em comemoração ao município, que ocorre nas primeiras manhãs de fevereiro. São três dias de disputa acirrada, três dias em que as pobres das candidatas têm que dar tudo de si, e ainda assim manter seu porte, sua elegância, já que tudo conta para uma boa colocação.

Aos poucos a peneira vai ficando mais fina e mais fina, até restarem apenas duas finalistas. Ah, a plateia vai à loucura. Pessoas fazem apostas, gritam, até que o resultado tão esperado surge. Sim, é necessário que sejam computados todos os pontos. E a vencedora é aplaudida, premiada com uma considerável bagatela, uma quantia provavelmente a ser investida nela mesma para manter sua colocação no ano seguinte.

Enquanto sua produção líquida está sendo usada para banhar seu proprietário como símbolo de vitória, a maior representatividade de ostentação, talvez fosse mais apropriado para a ocasião um espumante. Mas, pensando bem, a composição do leite é mais útil à pele. E provavelmente não irá comprometer ninguém em relação ao consumo de bebida alcoólica.

Helena Pessoa
Enviado por Helena Pessoa em 25/04/2015
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