O CORDEL E A FERRARI

Quem nasceu em Itabaiana, na Paraíba, geralmente recebeu duas grandes influências: a do Rio Paraíba, com suas cheias enormes, que inspiraram os escritores José Lins do Rego e Zé da Luz, e a dos cantadores de viola, que pulsavam galopes na beira do rio. rsrsrs

Mamãe, que já perdera um filho, sequestrado pelo seu primeiro marido, não queria perder um segundo para a fúria do rio. Assim, eu, como diz a música horrorosa de duplo sentido, ficava na beira mas não passava na pinguela. Ouvia o bramido, o espumar das águas, o barulho ensurdecedor, os meninos pulando da ponte, mas não pulava, de forma que me tornei o pior dos nadadores da terra de Pingolença.

Não houve quaisquer restrições para as ‘viagens’ dos bardos. Impressionava-me ver aqueles pobres homens, cantadores do povo, das feiras, dos cabarés, das linhas do trem, empreenderem verdadeiras batalhas poéticas e, através das hipérboles do Galope a Beira Mar, entrarem tranquilos nos vulcões, atravessarem os oceanos, irem aos céus e retornarem num pé só. Eram bem maiores do que Tarzan, do que Sartana, do que Capitão América. Quem era o Superman perto daqueles terríveis repentistas?

Trocando figurinhas hoje com a escritora Sonia Ortega, poeta e musa da Ferrari em Miami, sugeri que a mesma fizesse um Cordel sobre a beleza e a capacidade desse carro ‘violento’ e Sonia responde: “Já imaginou um galope com tantos cavalos de força?” Pronto, foi o bastante para desenrolar a memória dos repentistas em Itabaiana! Respondi que nós iríamos do Polo Norte ao Polo Sul em poucos segundos!

O filósofo Eduardo Rabenhorst desnuda a alma repentista quando menciona ocasionalmente na sua linha do tempo "Onde me apeteceria estar." E naturalmente deve viajar na imaginação.

Sou um reles poeta, mas a minha imaginação se iguala ao repente de Severino Dias e hoje estou andando pelas ruas milenares de Dublin, onde pretendo morar pelo menos por um ano antes de fazer a última viagem no repente da vida.