Se a cidadania europeia vos libertar, verdadeiramente sereis livre

“A relação dos europeus com os náufragos nas suas costas expressa, da forma mais radical, a concepção predominante no Velho Continente, conforme o antigo adágio: civilização ou barbárie. A preocupação dos governos europeus é apenas a proteção do seu território, para que episódios dramáticos, como os que vêm acontecendo há tempos e se agudizando nas últimas semanas, deixem de ocorrer ou diminuam. Não há nenhuma posição em relação às causas da imigração.” Emir Sader 

Os milhares de homens, mulheres e crianças negras que nos últimos anos, e mais intensamente nos últimos meses, abarrotam embarcações quase tão improvisadas quanto nossos barquinhos de papel da infância para cruzar o mediterrâneo e chegar (quando conseguem) na costa da Europa, representam hoje uma terrível contradição histórica contra a qual poucos se opõe: de que aqueles que outrora foram arrastados por mais de trezentos anos da África para as Américas coloniais européias em navios sujos e em condições subumanas como escravos, repetem agora, voluntariamente, o mesmo fluxo migratório na direção dos senhores que um dia foram seus donos.

Porém, o que antes representava lucro e fazia prosperar as potências como Inglaterra e EUA é agora problema tamanho que ninguém mais sabe como resolver, pois depois de ter saqueado e vilipendiado cada um dos poderosos reinos africanos, como os Bantos, Egípcios e Sudaneses, os europeus ocidentais, que são em grande parte responsáveis pelo atual estado de degradação generalizada da África, não querem mais nada além de uma diplomacia rasa e descompromissada, para que após apertos de mão em um encontro entre líderes de nações africanas e nações europeias, os últimos possam passar álcool em gel entre os dedos, lavar as mãos e enviar saudações por carta ao próximo presidente africano recém eleito e ainda não deposto por algum grupo de esquerda.

Fugindo da pobreza, da Aids, e da ação de grupos extremistas como Boko Haram, e fugindo também de si mesmos, os imigrantes africanos oferecem as suas vidas para os antigos senhores em troca de uma cidadania europeia que antes lhes representava a anulação se sua identidade, cultura e história e que agora representa a redenção e a única chance de não fazer parte do gráfico de mortos das estatísticas sobre o continente africano – e sim, eles não cogitam sair das estatísticas, isso seria liberdade e vida além da imaginação de qualquer africanos. Apesar de suas sociedades serem sobras dos antigos regimes coloniais, eles querem se submeter novamente a um novo tipo de relação quase escrava ao menos pra continuarem vivos. São hoje um tipo de gente que de fato o mundo ocidental tenta guardar no sótão das omissões na casa das responsabilidades por tragédias históricas, que equivale ao nosso "quarto da bagunça" no Brasil, que é aquele cômodo que ninguém gostar de mostrar em casa e que sempre fica devidamente ignorado e escondido das visitas que queremos impressionar. São como aquelas pessoas que encontramos na rua quando saímos da lanchonete com a boca suja de catchup e olhando pra baixo estão lá deitadas no papelão, no chão, e justamente ali, pra trazer aquele (cada dia mais leve) desconforto à nossa consciência.

E é bem deste modo que observamos os noticiários da TV sobre os mortos em cada naufrágio no mar antigo: sentados em frente ao noticiário, jantando e meneando a cabeça até que a noticias esportivas do jornal venha para trazer-nos o analgésico da histórica indiferença ocidental.

Por André Alves Castro

postado no site - Cotidianidade

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