Vida Louca

Vida Louca

15 mar 15

Passo pela fase da senilidade daqueles que me precederam e constato que a velhice nada mais é do que o retorno à infância. Uma infância com mais dores, mas com as mesmas birras e inocência. Esta inocência é uma inocência gerada pelo próprio organismo onde o peso dos anos faz curvar e destruir barreiras que a vida nos criou. Primeiramente é o esquecimento. Ele permite agir sem os parâmetros estabelecidos, ou melhor, quando ultrapassam estes limites é só uma questão de tempo, às vezes minutos, para aí reencontrar a paz do espírito pelo pensamento, palavra ou obra indevida. Outra faculdade desenvolvida é o da audição seletiva, os idosos desenvolvem a capacidade de só ouvir o que querem.

Uma das dificuldades que temos é a de entender o que é este mundo em que vivem, reclamam por cuidados e reclamam do zelo com que os tratamos. Tem dificuldade para andar, mas recusam o apoio oferecido. Mundo de contraditórias contradições onde o verso e o reverso figuram de um mesmo lado.

Mundo de reais irrealidades onde a saudade é a geradora do tornar presentes e tocáveis as lembranças do passado. Sonhos se tornam inequívocas e incontestáveis realidades que às vezes, se contestadas, provocam uma simples e derradeira exclamação “ah você não viu” ou “ você não sabe”.

Pelos contemporâneos daqueles com quem convivo no dia a dia vejo que os traços da personalidade esculpida pela vida permanecem, ainda que às vezes travestidas por comportamentos diametralmente opostos. Aqueles que eram felizes no sofrimento hoje sofrem com a felicidade alcançada, os irascíveis se tornam mansos como vulcões adormecidos que vez por outra derramam suas incandescências em explosões irrazoáveis. Os manipuladores manipulam seu restar de vida em comportamentos autodestruidores para provocar iradas compaixões.

Esta talvez seja a última grande lição daqueles que nos precederam. Lição que como todas as que a vida proporciona, nos faz rir e chorar. Lição que me convence cada vez mais e de forma inequívoca que, quando lá chegar, vou querer estar em uma creche onde poderei brincar com as crianças do mundo que passarei a habitar.

Geraldo Cerqueira