FÉRIAS NO SEMINÁRIO

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

FÉRIAS NO SEMINÁRIO

Não sei de quem foi a infeliz ideia de manter uma turma presa ali no seminário durante as férias de dezembro a março sob pretexto de não deixar o casarão vazio. Minha turma foi a segunda a receber tal presente de grego. Foi no final de 1957 e início de 58, quando concluímos a quinta série, correspondente ao primeiro ano colegial de hoje.

Dos trinta e tantos ou quarenta rapazes da segunda série ginasial em 1954, estávamos reduzidos a apenas quinze. Libório, Flávio, Miguel, Rúdi, Lauro, Darci, Carmo e Jacó eram os oito gaúchos. Antônio de Pádua e Zezinho eram os mineiros, e Gabriel, o carioca. Agostinho, Anselmo, José Heinsen e eu éramos os quatro catarinas.

Loucos de saudade dos familiares depois de quase um ano sem vê-los, tivemos que suportar a partida dos colegas e contentar-nos com os frutos dos preparativos nos quais nos tínhamos empenhado durante meses pra que as férias não fossem tão amargas naquele confinamento.

Por ser o mais velho e o maior da turma, nosso comandante era o Libório. Aliás, não era só por isso. Ele era também corajoso. Nas férias anteriores, chegando do interior do Paraná, pra onde sua família se tinha mudado, ele apareceu no seminário com um baita presente-surpresa pro Irmão Luís: duas cascavéis numa caixa, o que se tornou nova atração no viveiro, seu pequeno zoológico. Foi ele, o Libório, quem sugeriu e quem, com a devida antecedência, fez a frente no preparo da terra pra nossa plantação de melancias, pra que tivéssemos ao menos um prazerzinho diferente naquelas férias.

Nossa roça de melancia frutificou além do esperado, causando inclusive admiração nos padres, que não acreditavam no sucesso da nossa empreitada. Tínhamos melancia pra dar e vender, como se diz na gíria de hoje. E decerto foi por isso que certo dia apareceu uma vaca do vizinho querendo associar-se a nós. A danada, de tanto ver aquela barbaridade de melancias bem ali do outro lado da cerca de arames, quase ao alcance das ventas, enchia-se de água na boca e decidiu invadir nossa plantação.

Não lembro quem foi que viu primeiro e deu o alarme, mas a notícia caiu como uma bomba no meio da turma. Armados de cordas e porretes, corremos lá, dispostos a esfolar a atrevida. Cercávamos de um lado, o bicho corria pro outro, e nesse vaivém o estrago foi aumentando. Fechamos o cerco e por fim o animal se entregou.

Daí então reuniu-se o conselho dos quinze, pra decidir o que fazer com a vaca. Acabamos levando-a conosco pro meio do pátio. Lá fincamos um palanque e amarramos a meliante, e ficamos à espera de que o dono viesse acertar a fiança pra soltura da criminosa, pagando-nos o estrago. Já tínhamos até planejado em que aplicar o dinheiro do resgate.

Lá pelas tantas, o vizinho apareceu de fato, mas em vez de ir negociar conosco, o espertalhão foi direto pro Reitor, a quem vomitou um montão de razões, dizendo-se ofendido com o caso, e o Reitor, adotando a política da boa vizinhança, acabou dando razão a ele com mil pedidos de desculpas pela nossa falta de consideração pra com ele e de coração pra com o pobre animal que passou o dia quase inteiro ali amarrado sem comer nem beber. E depois veio ter conosco espumando de raiva, enchendo-nos de desaforos. Em vez do vizinho, fomos nós que passamos por irresponsáveis, por mal-educados e sei lá o que mais.

Resultado: acabamos proibidos de colher as nossas melancias, que passaram pro controle dos padres. A nós caberia apenas uma por dia, entregue no refeitório como sobremesa do almoço.

Em vista disso, o conselho dos quinze reuniu-se novamente, e decidimos que não iríamos aceitar, assim passivamente, tal injustiça. Por questão de honra, teríamos que surrupiar as melancias que nós mesmos havíamos plantado. Cada vez um de nós iria pegá-las no frigorífico e trazê-las pra turma. E assim se fez. Por fim chegamos à conclusão de que o castigo virou um prêmio, pois assim, tínhamos as melancias geladinhas e sem o trabalho de ir à roça colhê-las.

Convite: Se você gostou desta minha crônica, do meu estilo de narração, leia as anteriores, mas em ordem cronológica, começando pelas primeiras que foram postadas.