Beleza é fundamental, boniteza não!

Em Receita de Mulher, Vinicius de Morais, no auge de sua inspiração poética, nos diz: "as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental." Esse trecho do poema, de tão massivamente utilizado, se transformou em clichê literário, quase invariavelmente citado para ressaltar a boniteza e não a beleza feminina. Sim, pois há pessoas bonitas imensamente desprovidas de beleza. Em contrapartida, existem outras tão incrivelmente belas, às quais a boniteza não faz a menor falta. Eu admiro e me encanto com a beleza em detrimento da boniteza e parece-me que o poeta também. Vejam a continuidade dos versos no referido poema:

É preciso,
é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que
umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como no âmbar de uma tarde.

Beleza além da carne, do palpável, do visível a olho nu... Para muito além dos corpos delineados em formato comercial, expostos nas manequins das lojas. Falo daquele jeito peculiar de ser, de falar, de pensar, que irradia beleza no ar. Essas pessoas atraem e se fazem admiráveis pelas relações que tecem com os outros, pelo discurso que as definem, pela capacidade de surpreender com palavras e gestos. Pela sensibilidade, autenticidade, inteligência incomum, pelas marcas culturais que nos trazem. Diante delas, somos inevitavelmente seduzidos. Mas não me refiro à sedução carnal (não excluindo a ocorrência desta), vai muito além disso, como sugere o poema. É uma sedução pelo prazer que sua presença proporciona. É uma vontade de querer compartilhar, saber mais, olhar mais, sorrir mais, pois por elas somos provocados a todo instante.
 
Conheço algumas pessoas belas, muitas tantas impecavelmente bonitas e outras raras dotadas de beleza e boniteza. Às últimas, eu diria que se não fossem bonitas, a beleza se sobressairia da mesma forma, porque uma independe da outra. E aqui, com licença poética, digo: a beleza é fundamental, boniteza não.

Nesse último final de semana tive a sorte de ter aula com um professor bonito e extremamente belo. Belo nas palavras, nos gestos, no discurso, nas provocações, no senso crítico aguçado, nas paradinhas estratégicas para fazer pensar, nos múltiplos olhares manifestados sobre o mesmo objeto, na generosidade, no respeito ao não-saber diante de um saber em construção coletiva. A especialização está apenas começando, mas estamos bem mais sábios, não apenas em investigação científica, mas também em relação à verdadeira beleza humana.

Algo assim, como diz o belo Zeca Baleiro, na canção Salão de Beleza:

Mundo velho
E decadente mundo
Ainda não aprendeu
A admirar a beleza
A verdadeira beleza
A beleza que põe mesa
E que deita na cama
A beleza de quem come
A beleza de quem ama (...)

Há menos beleza
Num salão de beleza
A sua beleza é bem maior
Do que qualquer beleza
De qualquer salão...
Rosimayre Oliveira
Enviado por Rosimayre Oliveira em 25/05/2015
Reeditado em 25/05/2015
Código do texto: T5253954
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.