O VOO

Não é à toa que voar faz bem. Voar para outra cidade, voar para outro estado e quem sabe até para outro país.

Voar faz bem para o ser humano e também para a alma. Quando se voa, sente-se o poder de estar no mais alto, onde tudo fica pequeno, até a violência, a inveja, enfim, a podridão humana é pequena para este poder tão lindo de voar.

Portanto, aconteceu com aquela viagem feita do Brasil para Portugal. A viagem é muito grande, mais de dez horas dentro de um avião. Inicia-se à noite e a chegada é pela manhã. Muito cansativa, mas de grande proporção, pois estar em Portugal é pesquisar e conhecer um pouco mais sobre a cultura brasileira, sobre a origem e apreciar a arte medieval das cidades portuguesas.

Em um destas viagens, conheci Dona Maria. Uma senhora de mais ou menos 65 anos, que voava para Portugal após muitos anos de planejamento, mas receosa de viajar de avião. Dizia ela que tinha muito medo, pois sentia-se muito pequena diante da dimensão terrena e muito medo do escuro.

Ela sentou-se perto. Afivelou o cinto e começou a perguntar qual era meu nome, minha profissão, de onde eu era, porque ia a Portugal e falar um pouco de sua vida.

Falou-me, também da origem de sua família, pois mantinha laços com família tradicional de Portugal e disse que gostaria de fazer uma pesquisa somente para conhecer em profundidade sua família, que era grande e também tradicional no Brasil e possivelmente na Europa.

O tempo foi passando. No momento da decolagem, Dona Maria segurou em minha mão e demonstrava uma ansiedade muito grande. Tinha medo do avião cair e lembrou-me do acidente da Gol, da Tam e outros mais acidentes. Disse-lhe que não precisava temer, pois o transporte aéreo é muito seguro e raramente acontece acidentes.

Quando o avião ganhou altitude e começou a traçar a rota para sair do continente, Dona Maria começou a falar comigo. Falou mais de sua vida, dos filhos, da profissão, de sua religião, de Filosofia, de Psicologia, de Matemática e até de Contabilidade, pois eu sou profissional da área e comecei a explicar alguns objetivos contábeis.

Após três horas de viagem, eu já sentia cansado e comecei a cochilar, pois a voz de Dona Maria ia tornando-se longe, bem distante. Adormeci.

Fui acordado repentinamente por Dona Maria, que ainda demonstrava ansiosa quando o avião atravessa turbulências. Ela gritava, chorava e segurava em minha mão. Eu a acalmei e comecei a conversar com ela.

Não contentando comigo, com meus assuntos, Dona Maria começou a conversar com outros passageiros. Acordava-os, conversava, cantava, andava pelo avião e até ajudou as comissárias de bordo a servir o lanche.

Nesta altura, Dona Maria já se sentia em família, pois a viagem já era familiar e considerava os passageiros como sendo seus próprios filhos. Ajudou uma criança que não se sentia bem, ajudou uma velhinha a ir ao banheiro, buscou água para um senhor de terno, que julgo ser um padre que ia para Roma, enfim, voluntariamente auxiliou na viagem.

Quando fomos anunciados que o nosso destino estava próximo, Dona Maria sentou-se novamente a meu lado e segurou minha mão, como medo da aterrissagem.

O avião aterrissou, ouvimos os avisos em vários idiomas e descemos.

Quando despedi de dona Maria e me perguntou para qual hotel eu ia. Dei o nome do hotel e ela sorriu dizendo que era o mesmo. Prosseguindo, perguntou qual data seria meu retorno ao Brasil. Falei, mais uma vez ela sorriu, a poltrona, ou seja, era a mesma data, no mesmo voo, nas poltronas uma perto da outra.

Assim, separamos, para encontrarmos no retorno, do mesmo modo da chegada.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 31/05/2015
Reeditado em 09/10/2016
Código do texto: T5261378
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