O Circo

Dedico esse conto a Poetisa Aila Brito

Que foi ao circo esta semana

O circo chegava a nosso bairro e isso era motivo de grandes alegrias para a meninada de minha época. Graças a Deus ainda não tínhamos televisão e não existiam, graças a Deus, os vídeos games. A minha geração era imensamente mais feliz. Fazíamos nossos próprios brinquedos, jogávamos bola no meio da rua; bola de gude, que chamávamos de peteca; papagaio de papel de seda e de pega-pega em cima do pé de tamarindo. Isso tudo sem falar no magnífico banho no Rio Parnaíba. Não digo que a televisão seja de toda ruim, porque ela é péssima na maior parte de sua grade de programas. As famílias que conversavam à porta da rua à noitinha foram para dentro de casa e perderam o diálogo, concentrado apenas nas imagens. Os games também levaram as crianças para seus quartos e com isso perderam a comunicabilidade com o mundo. O circo aparecia uma ou duas vezes ao ano, por isso a sua importância era destacada.

As grandes companhias como o Circo Romano, Gran Bartolo Circo, Circus Mágico Tiane, Gran Circo Montenegro e Circo Garcia ficavam no centro de Teresina armados no Parque da Bandeira. O Garcia foi o maior circo brasileiro e chegou a ser o quarto maior circo do mundo. Digo por dever de justiça que o Circo Garcia teve dois grandes infaustos. O primeiro foi a morte de Antolin Garcia em 1987 em Teresina e lá foi sepultado; segundo foi a televisão que fez com que a companhia se afundasse numa dívida estratosférica. A televisão foi tão nefasta para o circo que até os palhaços da TV desapareceram com o tempo. Quem não se lembra do Carequinha, Arrelia, Bozo, Atichim e Espirro, Patati e Patatá?

Os circos que iam para os bairros eram os pequenos e muitos desses não tinham coberturas, por isso eram apelidados de “circo tomara que não chova” ou “circo poeira, só assenta quem leva cadeira.” Verdade que inda hoje não entendi o mistério dos circos chegarem exatamente no período do inverno. Estes circos tinham muitas particularidades e uma dessas era que, não possuindo carro de som, a propaganda era feita pelos palhaços nas ruas do bairro, seguidos por uma determinada soma de meninos que ajudavam na animação. Em troca recebiam um carimbo no braço que lhes davam direito a entrar de graça à noite para o espetáculo. É claro que na hora do banho a gente não poderia lavar o braço para não perder o carimbo. Quantas vezes eu não gritei palhaço...!

Por volta das 15:00 horas saia a caravana pelas ruas do bairro. Todos os moradores saiam à porta da frente para ver aquilo. O palhaço das pernas de paus gritava com uma espécie de funil de lata à boca e a petizada acompanhava no mesmo tom.

- Respeitável público...! Acaba de chegar nesse maravilhoso bairro o Gran Circos Intercontinentaaaal. Trazendo mágicos, lindas mulheres, animação e muita alegria... E continuava:

- Hoje tem espetáculo?

- Tem sim senhor (respondíamos todos)

- Às 8 horas da noite?

- É sim senhor...!

- Tem trapezistas? Tem malabaristas?

- Tem sim senhor...!

- Eu vou ali e volto já...!

- Eu vou comer maracujá...!

- Dona Maria meu cachorro entrou aí ?

- Entrou, entrou, mas tornou a sair...!

- Olha a moça bonita na janela...!

- Vou casar com ela... Vou casar com ela...!

- Olha a moça feia na janela...

- Tem cara de panela...cara de panela...!

Nisso, todas as moças envergonhadas adentravam a suas casas... Tinha um momento especial quando o palhaço perguntava e os meninos respondiam fazendo um gesto tímido, mais ou menos parecido com o que viria a ser no futuro a dança da boquinha da garrafa:

- Cadê o xenhenhei...?

- xenhenhei, xenhenhei...!

- E hoje tem marmelada...? Tem pipoca e goiabada...?

- Tem sim senhor...?

- Tem menino de cara lavada...?

- Kkkkkkkkkkk, Kkkkkkk tem sim senhor...! Tem sim senhor...!

E assim o circo conseguia se estabelecer no bairro por um mês inteiro. O diacho era que a maioria dos meninos sem atinar para as consequências, torcia para que o palhaço caísse das pernas de pau.

Bons e inesquecíveis tempos onde a ingenuidade ainda se pressentia, onde ser palhaço era ser dono da alegria. Dizia-se que o palhaço era ladrão de mulheres... Que as mulheres se apaixonavam pelos palhaços e largavam tudo para seguirem no circo... Como meio difusor de cultura nada se assemelha ao circo. Ele leva a comédia onde nem o Estado ou qualquer outro elemento chegaria. Cultura barata, descontraída, sadia.

Hoje o termo palhaço é ofensivo. Fazem-nos de palhaços, o que não tem a menor graça. Roubaram a nossa alegria com todos os tipos de “marmeladas,” nossos rostos estão lavados, lívidos, descolorados, desbotados. Roubaram-nos o livre riso e ainda reclamam nossos aplausos.

São lembranças de minha terra.

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 01/06/2015
Reeditado em 30/06/2020
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