Caixinha de Palitos
 
Na reflexão, volto-me para os últimos vinte e cinco anos. Vejo curvas, desvios e as pedras do caminho. Muitos bloqueios, mas aqui cheguei. Hoje, renovo o anseio de seguir sendo o que fui desde o início.

Enquanto o tempo passou fui pássaro que voa e não aceita gaiola, porque lutei pela liberdade. Fui portas trancadas ou abertas, porque a mim foi entregue a tarefa de condenar ou absolver. Não aceitei inclinações à minha frente, pois o poder absoluto só a Deus pertence. Só usei respeito para que minha voz e minha escrita fossem obedecidas. Fui pomar que ao seu cume acolhe o sol escaldante e distribui sombras frescas e descanso, porque fiz Justiça sobrepondo a Lei. Fui riacho de águas límpidas, porque dei água a quem tinha sede. Fui campos semeados de trigo, porque dei pão a quem tinha fome. Fui cristão, porque combati com bom combate.

Posso dizer sem restrição, que julguei com a Constituição, com a Lei e com a minha consciência. Amo a jura, sou imparcial e não há mácula na minha toga. Mas, não me exalto, nem posso, essa é minha obrigação. Apenas rendo graças e manifesto minha força na Santíssima Trindade, que está acima de tudo, pelo dom de aqui chegar sem arranhão na integridade moral e, sobretudo, agradecer pela minha paz espiritual.

Confesso-me grato por ter sido digno dessa carreira e por contar com Jesus Cristo ao meu lado nesse caminho. Porém, as bodas de prata não me atraem para elevações. Ao oposto, quanto mais saboreei a magistratura nesses vinte e cinco anos, mais cuidei em vigiar a cada dia meus movimentos, minhas palavras, meus pensamentos, meus atos e minhas decisões, fruto da herança deixada por grandes mestres, aprendidas tintim por tintim. Isso porque, ser magistrado nesse lugar chamado Brasil é lamentoso.

Além disso, o juiz de direito está à mercê de lances flébeis quando, por conta do achaque, comum no nosso país, seus direitos invioláveis de intimidade, de privacidade, da honra e da imagem, são postos em confronto com as liberdades de expressão de pessoas incultas, invejosas, traidoras e mentirosas.

Noutras palavras, o direito à ampla liberdade de expressão, não inclui, obviamente, liberdade irresponsável e sem limites do direito de dizer o que quiser, bem como o de repetir asneiras, como metralhadoras em emboscadas, violando a honra alheia.

Apesar disso, sempre confiei que a credencial de um juiz deve ser o seu caráter e nunca a sua carteira. Caráter ameaça e espanta, por isso vi tanta gente sumir do meu caminho. Bastou-me papel e tinta. Não mostrei a identidade funcional, pois entendo ser conflitante com a humildade e, precipuamente, com minhas convicções religiosas. Carteirada atrai veneração e falsos amigos. Para quem gosta de ser o umbigo do mundo, é um prato cheio. Cheio de imundice, melhor que fosse dado aos porcos.

Não sou mentor da moral. Só tento viver como o nobre filho do carpinteiro que foi capaz de mudar a história, desde Belém até os confins da terra. Nem peço que nenhuma voz se erga em meu favor, pois Jesus morreu sem que aqueles que o receberam festivamente em Jerusalém no dia anterior, dissessem uma só palavra em seu favor na hora do julgamento por Pilatos.

Foi o Cristo ressuscitado, sempre presente em minha vida, aliás, quem me ensinou uma tática infalível para impedir que eu faça parte de tramoia.

Eu conto agora para você:

Primeiro, imagine que a vida está contida numa caixa daquelas que cabem quarenta palitos. Quando precisar de Luz espiritual, abra a caixinha e o palito será a lenha. Mas um palito será torrado, mesmo com a caixa fechada, se você aceitar um suborno.

Já careci da Luz Divina. Usei o graveto e fui atendido. O Criador sempre me iluminou dando anistia às minhas faltas. Não preciso, na verdade, da caixa, basta-me crer, ter fé e Seus princípios seguir.

Mas, é preciso ter cuidado, pois, um palito se torna mal e causa escuridão, quando usado contra as coisas de Deus.

Depois, para completar a tática, pense que resta um derradeiro palito. Tal hastezinha não fará falta na fé, como nunca fez. Então, para não cair em tentação, antes de ser cobiçado ou cobiçar, arremesse o derradeiro graveto no fundo do mar. No mais profundo do esquecimento. Prefira agir assim a guardar riqueza suja, qualquer que seja. Com isso, se entregue nos braços do Espírito Santo e durma tranquilo.

Após lhe dizer isso, lembro que o Profeta Isaías (59, 2) advertiu: “são os nossos pecados e maldades que nos separam da fé”.

Por isso, saiba que nada me apartará da fé e nem ninguém vai me desqualificar. Desvalerei quem tentar, embora eu saiba que assim age por lhe faltar fé e saber, como falta àqueles que se prazem em falar mal dos outros, fazendo a parte da maldade que lhes cabe.

Destes, sem valor, guardarei apenas vaga alusão, só para não esquecer que os perdoei. Crueldade seria deixá-los sem o meu perdão ou deixá-los esquecidos de todo. Durma sereno você também, mesmo despeitado em seu íntimo e imerso na estupidez.

Digo-lhe ainda: se tiver algo a dizer contra mim, faça-o diante de mim ou através da Ouvidoria da Justiça, da Corregedoria Geral, do Conselho do Tribunal de Justiça, da Corregedoria Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça. Esses são os órgãos para acusações contra juízes. E não a vereda tortuosa, de quem repete o que não deve, o que ouviu de não sabe quem, que ouviu não sabe onde. 


Por derradeiro, sugiro que você resolva suas próprias aflições para só depois ir além. Siga pela via que lhe tirará do deserto e se proteja do impulso. Permita-se ser tocado por esta missiva, por esse ensinamento. Mude e recomece com ânimo, você vencerá, jogue fora o palito da perdição, pois precisamos ser luzes e não Trevas.
MARCELO RUSSELL
Enviado por MARCELO RUSSELL em 04/06/2015
Reeditado em 04/06/2015
Código do texto: T5265658
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