MEMÓRIAS ( 2 )



Nasci e vivi a maoir parte de minha vida em S.P. Morei num subúrbio que naquela época parecia uma cidade do interior. Ali vivia a família de minha mãe (dez irmãos), porque meu avô tinha umas terras, um sítio e uma olaria; a de meu pai, por causa da estrada de ferro, a Cia. Inglesa, depois Santos a Jundiaí, depois R.F.F. Meu avô e meu pai trabalharam na Cia. Inglesa. A Família de meu pai também era grande, oito irmãos. No bairro, quem não era parente, era compadre ou parente do parente.
A estrada de ferro dividia o bairro, bastante acidentado, ao meio. O leito da ferrovia era cercado por segmentos iguais de trilho, servindo de suporte para cabos de aço enferrujados que corriam na horizontal. De um lado, ao longo de uma rua que margeava essa cerca, ficavam as casas, onde morava a maior parte dos funcionários; do outro, uma vasta plantação de eucaliptos protegia um campo de golfe, imenso, que chegava até onde hoje é o início da Rodovia dos Bandeirantes e era entremeado de pequenos bosques. Havia também um campo de críquete, um pouco mais além da estação, e muitos se juntavam aos domingos para observar aquele jogo estranho. Ninguém entendia porque não aproveitavam um campo perfeito como aquele para futebol.
O Pico do Jaraguá, a noroeste, compunha o nosso pôr-de-sol, salientando o contraste do céu com a vegetação azulada pela bruma do entardecer. Do nosso ponto de observação, sempre parecia que o cume mais alto era o do monte mais estreito, mais destacado do relevo da elevação (demorei para acreditar que isso não era verdade!). Pela manhã, era naquela baixada que se concentrava a cerração que o sol tardiamente espantava, principalmente no inverno, colocando brilhos perolados no capim.
A vida era regida pelos horários dos trens; sabia-se quem ia passar indo, quem ia passar vindo. Em quinze minutos cravados, chegava-se a ... São Paulo. Sim, porque a maravilhosa Estação Central, construída pelos ingleses, ostentava essa placa: São Paulo. Porém, ninguém falava: -Vou descer em São Paulo. O que todos diziam era: - Vou descer na Estação da Luz. Certa ocasião, meu pai começou a comentar em casa: -Falam tanto Estação da Luz, que um dia é capaz que mudem o nome da estação. Por um tempo, ficou repetindo a conversa.
Num domingo, quando entramos no trem para fazer um passeio até o Parque D. Pedro (lá havia um parque de diversões, mas isso já é uma outra história), ele nnos colocou do lado esquerdo do vagão, cada uma numa janela, minha irmã e eu. Quando nos aproximávamos da Estação Central, ele deu um jeito para que olhássemos para fora e quando o trem penetrou na gare, foi a maior surpresa e a maior festa porque, na plataforma lateral havia uma placa enorme, com letras muito grandes em cor marrom, onde se lia : ESTAÇÃO DA LUZ.